“Que jongue jongueiro o seu jongo ah!
Que jongue certeiro o seu tabiá
Que firme terreiro esse jongo cá”
(Reinaldo e Renato Vargas)
Certamente, se ainda vivêssemos nos tempos do Major Miguel Nunes Vidigal, esses versos seriam interrompidos por chicotadas e todo tipo de truculência. Isso porque o chefe de polícia da Guarda Real, que deu origem ao nome da favela do Vidigal, era implacável na perseguição e proibição de toda e qualquer manifestação cultural e religiosa do povo negro; entre elas, o jongo. Inclusive, foram esses serviços prestados à sociedade escravocrata da época que motivaram os monges beneditinos a presentearem o Major com as terras do Morro Dois Irmãos, onde hoje está localizado o Vidigal.
O jongo, originário da região do Congo-Angola, foi trazido para o Brasil pelos negros bantus escravizados nas fazendas de café no interior dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Após a abolição da escravatura (1888), muitos negros que trabalhavam nessas lavouras migraram para o Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, fixando moradia no subúrbio e favelas cariocas. Além da esperança de uma vida em liberdade, trouxeram também a cultura negra/africana; entre tantas manifestações, o jongo.
No Vidigal, o grupo Vidigal Capoeira é responsável pela preservação desse ritmo africano na favela. Liderado pelo Mestre Messias, o projeto promove oficinas de jongo para os alunos de capoeira.
Isabel Lorrayne da Silva de Almeida, 20 anos, moradora do Vidigal, conheceu o projeto do Mestre Messias em 2015. A partir daí, diz que um leque de conhecimento foi aberto.“O Mestre Messias, que já viajou para vários estados e para fora do país propagando a cultura negra, também me apresentou o jongo. O jongo não só abriu portas profissionais para mim quanto dançarina, como me trouxe a representatividade, autoconhecimento e consciência de liberdade. Foi um encontro ancestral na minha vida. Antes dele eu não sabia quem eu era enquanto menina negra, eu não tinha consciência racial, não sabia o que eu queria para o meu futuro, não sabia me expressar verbalmente direito. O jongo trouxe autoestima, confiança, oportunidade profissional. Fez despertar a minha potência”, relatou a moradora e atuante na iniciativa.
Patrimônio do Brasil pelo IPHAN desde 2005, o jongo firmou ainda mais o terreiro por cá (como dizem os versos que abrem a matéria). No último mês de setembro, a Câmara Municipal do Rio aprovou o projeto de lei da vereadora Mônica Cunha (PSOL), que institui o dia 24 de junho como o Dia do Jongo na cidade do Rio de Janeiro. A data é uma homenagem ao nascimento de Vovó Maria Joana, que foi importante jongueira do Morro da Serrinha, espaço representativo dessa cultura.
“Ter conseguido aprovar esse projeto de lei, após 7 meses de mandato, para mim, enquanto uma mulher negra, uma mulher com ancestralidade, uma mulher de axé, é de uma importância enorme para mim, pessoal, e para o meu povo. Então ter o dia do jongo é isso. É toda a cidade do Rio estar em todos os lugares comemorando no dia 24 de junho a existência do jongo como patrimônio cultural e imaterial da população carioca. E isso também é uma forma de enfrentamento ao racismo que historicamente tentou apagar as nossas manifestações culturais”, ressaltou a vereadora Mônica Cunha.