Foto: Matheus Guimarães / Voz da Comunidades
Atualmente no Brasil cerca de 16,5% da população, ou quase 35 milhões de pessoas, não têm acesso à água tratada. Enquanto isso, moradores das favelas utilizam medidas alternativas para lidar com a falha na prestação dos serviços garantidos por lei
As famílias da Alvorada e regiões ao entorno, no Complexo do Alemão, estão deixando de receber aproximadamente 15 milhões de litros de água diariamente. O reservatório localizado no Largo da Vivi, que abastecia a região, está desativado há sete anos. Após pressão das associações de moradores e da militância local, que manteve um gabinete de crise no combate ao coronavírus, representantes da diretoria da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) afirmaram que a criação do plano de restauração estava em andamento. Para as milhares de pessoas que convivem com o constante racionamento, os manobreiros são essenciais para a sobrevivência.
Apesar dos manobreiros serem conhecidos assim na favela, a Cedae diz que não reconhece a denominação dos técnicos a serviço da Companhia responsáveis por realizar ações de operação e manutenção nas redes (como manobras e reparos). Esses técnicos atuam sob demanda, ou seja, não há quantidade fixa. As equipes são enviadas ao local de acordo com a necessidade de atuação.
Segundo a empresa, que tem o governo do estado do Rio de Janeiro como maior acionista, o processo seletivo para o cargo e outras contratações de mão de obra são feitas através da empresa prestadora de serviço (por meio de processos licitatórios). No Alemão, em maio de 2020, sete novos manobreiros foram admitidos. Entre os novos contratados, está Leandro Silva dos Santos, de 36 anos.
Com o reservatório desativado, o trabalho de Leandro, que deveria ser oito horas por dia, acaba se convertendo em um plantão eterno. O manobreiro conta que chegou no Alemão há seis anos, quando se apaixonou pela atual esposa. Logo, começou a trabalhar na associação de moradores como carteiro comunitário e em abril do ano passado foi contratado para a atual função. Ele se orgulha ao contar sobre os cursos de hidráulica que contribuíram para a indicação ao cargo.
Nos primeiros dias de trabalho não conhecia todas as ruas e becos. Mas, logo entendeu o caminho das tubulações, que saem do Largo da Vivi e vão, algumas vezes em conjunto com a rede elétrica, até Morão Filho, Nova Brasília, Grota e Coqueiro. “Cada registro aqui eu sei a posição, a forma de abrir e para onde a água vai. Não é qualquer um que sabe fazer isso não! Essas tubulações que estão juntas com a rede elétrica tinham que passar no chão. Mas, para fazer isso, precisa de uma obra maior. Aí os moradores vão dando um jeito”. Para facilitar a comunicação e informar quando tem água ou não na favela, Leandro criou um grupo on-line, onde conversa diariamente e tira dúvidas.
“Cada registro aqui eu sei a posição, a forma de abrir e para onde a água vai”
“Antes dele entrar (Leandro) era uma guerra para conseguir água. Foi quase um ano sem água. Eu tinha que ficar buscando onde estava caindo para poder levar meu balde”, explica a pensionista Maria Aparecida, de 47 anos, moradora da rua União. “Era o dia todo carregando água. Carregando pra fazer comida, pra tomar banho, arrumar a casa…’’. Aparecida diz que a chegada do manobreiro regularizou o abastecimento. Quanto à qualidade da água, ela fala que não está 100%. Porém, um pouco melhor do que nos primeiros meses de 2020, quando a água da cidade estava contaminada com geosmina.
De acordo com o presidente da associação de moradores da Alvorada, senhor Renato, mais de 80% dos moradores da região teriam maior cobertura de abastecimento de água diariamente com o reservatório em funcionamento. “Como a água vai para rede direto, o manobreiro tem que redistribuir no registro e enviar para os ramais. Demora até 5 dias para chegar em todos os ramais”. Renato explica que a água vem da Estrada do Itararé e a bomba joga para cima até a Alvorada. Às vezes, a bomba queima e o reparo é feito por técnicos da Cedae, podendo levar até 10 dias. Sendo assim, famílias chegam a ficar mais de 15 dias sem água.
O reservatório ser feito com casco de navio não foi o suficiente para evitar danos na sua estrutura. Em nota, a CEDAE informou que o reservatório está desativado devido aos constantes danos na estrutura causados por ação de terceiros. No entanto, a Companhia mantém outros quatro reservatórios ativos na comunidade, que fazem parte do sistema de abastecimento da região, localizados na Matinha, Morro do Adeus, Central e Área 5. Não foi informado prazo para o início das obras e reativação do reservatório.
O que diz a lei
A Lei nº 11.445/2007, atualizada pela Lei nº 14.026/2020, define saneamento básico como o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. A prestação dos serviços é orientada pela visão integrada dos quatro componentes e sua articulação com políticas de desenvolvimento urbano e regional, habitação, combate à pobreza e de sua erradicação, proteção ambiental, promoção da saúde, recursos hídricos, além de outras de interesse social relevante, que são destinadas à melhoria da qualidade de vida e para as quais o saneamento básico seja fator determinante.