Texto: Gabi Coelho
Hoje, (18), recebemos a triste notícia de seu falecimento. Sem muitos detalhes, familiares informaram à imprensa de que Maria de Lourdes Mendes, a Tia Maria do Jongo, passou mal e foi levada para o Posto de Atendimento Médico (PAM) de Irajá, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Referência no Jongo da Serrinha, filha e neta de ex-escravos, exemplo de luta e resistência ela se foi aos 98 anos. Ela também era uma das únicas fundadoras da escola de samba Império Serrano que ainda estava viva.
Na terça-feira (14), Tia Maria subiu ao palco do Copacabana Palace para receber o prêmio Sim à Igualdade Racial, promovido pelo Instituto Identidades Brasileiras (ID_BR). Em agradecimento, ela disse com seu jeitinho doce, um sorriso largo e brilho nos olhos. “O jongo da Serrinha agradece e terá um grande prazer, se vocês um dia puderem passar uma tarde com a gente lá. O jongo é bom. Vocês vão gostar”.
Foto: Gabi Coelho
Mulher preta, cheia de conhecimento que a vida lhe ensinou, Tia Maria começou a trabalhar aos 11 anos e nunca mais parou. Sempre lúcida e capaz de se reinventar através da energia de uma eterna juventude que ela tinha, nos últimos anos passou a compor pontos de jongo e abriu sua casa para os ensaios, as tradicionais feijoadas em homenagem aos pretos-velhos no dia 13 de maio e para distribuição de doces de São Cosme e Damião. Sábia, que tinha um abraço de vó – acolhedor – sorriso sincero e uma vontade de viver que nos dá a certeza de que ela se foi em paz e com o coração leve por ter feito muito pelo povo brasileiro, carioca, de favelas e periferias.
A guardiã das tradições do jongo tinha sangue mineiro e carioca
Os escravos bantos, trazidos em navios negreiros no Brasil-Colônia no século XIX, usavam o jongo como um dos únicos momentos permitidos para confraternizações em meio a tanta revolta e sofrimento. Só conseguiam autorização para se divertirem com o ritmo porque os donos das fazendas de café se aproveitavam da cultura africana para se distraírem em dias de santos católicos. Além de ser uma dança para divertir e celebrar, o jongo também é uma atitude religiosa para saudar os pretos-velhos. Uma das entidades mais populares da Umbanda que representam os ancestrais africanos.
Tia Maria do Jongo foi fundamental para a continuidade do Jongo no Brasil, levando para novas gerações. Essa cultura veio da África e se mantém viva até hoje. Ela era uma das criadoras do Jongo da Serrinha, em Madureira. Onde promove ações integradas entre arte, cultura, memória, desenvolvimento social, trabalho e renda. Nasceu jongueira. Sua relação com o Jongo começou no quintal de casa, os pais eram músicos de Minas Gerais que se mudaram pra Zona Norte do Rio.
Foto: Bianca Pimenta
No carnaval do próximo ano, Tia Maria será uma das homenageadas pelo carnavalesco Júnior Pernambucano com o enredo ‘Lugar de mulher é onde ela quiser’, escrito para escola de samba em que ela ajudou fundar. Com objetivo de enaltecer mulheres que fizeram história dentro da Império Serrano, a letra vai mostrar a resistência feminina em meio a um mundo tão machista. Isso é Tia Maria inspirando e reacendendo a importância da luta das mulheres negras pra cultura brasileira. Aos mais velhos e aos mais novos, Tia Maria sempre vai representar muito.