Nas últimas semanas, o Brasil enfrentou uma onda de calor excessivo. Por conta disso, o consumo de água aumentou significativamente. Entretanto, muitos moradores enfrentaram essas condições de forma mais complexa: sem água. Nos dias de calor extremo, o Voz das Comunidades recebeu relatos de falta d’água no Morro do Adeus e dentro do Complexo do Alemão, por exemplo.
Diante de situações assim, um levantamento realizado pela Rede Favela Sustentável revelou que mais de 270 mil habitantes das favelas do Rio de Janeiro enfrentam interrupções no fornecimento de água pelo menos duas vezes por semana. Esse cenário afeta 17% da população de 15 comunidades analisadas na região metropolitana. Os dados foram apresentados durante uma audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) no último dia 29.
O estudo, intitulado “Justiça Hídrica e Energética nas Favelas”, destaca ainda que 69% dos entrevistados afirmaram que, se a conta de luz fosse reduzida pela metade, utilizariam o dinheiro economizado para a compra de alimentos. A pesquisa também apontou que 25% dos moradores das favelas sentem um gosto insalubre na água, enquanto 31% são obrigados a recorrer à água da bica para se hidratar.
A coordenadora da Rede Favela Sustentável, Theresa Williamson, enfatizou a gravidade da situação, citando dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que apontam para mais de 48 mil óbitos devido às ondas de calor nas regiões metropolitanas brasileiras entre 2000 e 2018. “Estamos falando de um bem que é direito de todos e uma necessidade básica para a subsistência humana. Notar que um número expressivo da população não tem esse direito garantido é, no mínimo, um ato criminoso”, afirmou Theresa, destacando também as mudanças climáticas e a importância crucial da água para a vida.
O estudo identificou ainda obstáculos na obtenção da Tarifa Social, um benefício que reduz o valor da conta de água para quem atende aos requisitos. Moradores das comunidades relataram dificuldades devido à complexidade e extensão da lista de documentos necessários, além de restrições quanto ao incentivo oferecido.
Em audiência na Alerj, deputada anunciou criação de projeto de lei para distribuição de água sem tarifa
Ana Lúcia Britto, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e coordenadora do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas, ressaltou a falta de clareza sobre os requisitos da Tarifa Social. Ela destacou a necessidade de avaliação individual, considerando famílias que trabalham em casa e dependem de um fornecimento maior de água.
Questionada sobre a fiscalização das empresas, a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) afirmou que atua de acordo com o estabelecido em contrato.
Durante a audiência na Alerj, a deputada Dani Monteiro (PSol) anunciou a criação de um Projeto de Lei para garantir a distribuição de uma quantidade mínima de água sem cobrança de tarifa, conceito conhecido como “mínimo vital”. Ela também pretende apresentar uma legislação que puna empresas que descumprirem esse acordo. Além disso, lançou a plataforma de fiscalização popular “Olho na Água”, permitindo aos cidadãos realizar denúncias sobre a falta de água. “A ideia é reunir todas as reclamações em um só lugar para que possamos ter um levantamento ainda mais robusto e preciso quanto ao nosso problema, para no futuro cobrar medidas do Estado e da Agenersa”, explicou a parlamentar.