Jovens de favela ainda enfrentam preconceito e barreiras para entrar no mercado de trabalho   

Segundo levantamento realizado pela prefeitura do Rio de Janeiro em 2023, 51% da juventude de favela está desempregada
Bruno Wellington, do Complexo do Alemão, sofre dificuldades em avançar em processos seletivos para primeiro emprego - Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Conquistar um emprego formal pode ser desafiador, ou pode ser algo distante do ideal. O mercado de trabalho carece de muitas coisas, e uma delas é o acolhimento. Para jovens como Bruno Wellington, de 16 anos, o caminho parece longo, mesmo com pouca idade. Para mulheres como Aurora Enibê, de 24, o sonho da carteira assinada não é exatamente dela. E ela tem seus motivos. 

De acordo com um levantamento feito pela prefeitura do Rio em 2023, 51% dos jovens de favela do município do Rio entre 18 e 24 anos estavam desempregados. A pesquisa revelou que a falta de escolaridade e de acesso à informação são algumas das questões enfrentadas pelos jovens. Outra pesquisa saiu, mas em 2024, através do IBGE, mostrou que, apesar do número de jovens que não estudam e nem trabalham seja o menor, comparado aos outros anos, 10,3 milhões de 15 a 29 anos estavam nessa situação em 2023 no Brasil. Até então, o menor nível havia sido registrado em 2013, quando 11,2 milhões de pessoas dessa faixa etária não trabalhavam nem estudavam. Mas quando os mesmos jovens de favela têm acesso à educação, por que o cenário não muda? 

Bruno, cria do Complexo do Alemão, tenta há mais de um ano conseguir uma oportunidade. Apesar de ter cursos de informática e inglês, ele nunca foi chamado para uma entrevista. “Já joguei meu currículo em vários sites e fui a mercados, fábricas, serralherias, mas nunca me chamaram. Parece que falta alguma coisa no meu currículo, mas eu não sei o que é”, desabafa. 

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Além da falta de oportunidades, Bruno acredita que a aparência pode ser um fator determinante para as dificuldades que enfrenta. “Talvez pelo fato de eu ser ‘moreninho’ ou andar com o cabelo meio desarrumado, eles acham que sou largado ou favelado, como dizem por aí”, reflete. 

Os desafios enfrentados na inserção ao mercado de trabalho são ainda maiores para a população trans, especialmente de favelas. Aurora, que mora na Gamboa, atua na área de cultura através da dança e do teatro. Para ela, a relação com o mercado de trabalho é marcada pela incerteza e pela falta de oportunidades seguras e inclusivas. 

“Não tenho vínculo com o mercado de trabalho formal porque atuo de forma independente, mas, mesmo assim, é uma relação complicada. Nunca temos certeza de que seremos chamadas para trabalhar e, muitas vezes, somos tratadas como token ou enfrentamos equipes que não estão preparadas para lidar com pessoas trans, o que acaba gerando situações transfóbicas, misóginas e racistas”, relata. 

Aurora Enibê, atriz e dançarina, rejeita as estruturas excludentes do mercado de trabalho – Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades 

Sem buscar empregos formais há dois anos, Aurora explica que a estrutura do trabalho com carteira assinada não a contempla. “Não sirvo para ser CLT. Esse sistema se alimenta dos nossos esforços e sonhos de estabilidade financeira e, no momento que menos esperamos, nos descarta, muitas vezes por transfobia estrutural e institucional”, critica. 

Os processos seletivos também representam um desafio. “Se não forem específicos para pessoas trans, há uma competição desigual. Precisamos ser dez vezes melhores que uma pessoa cisgênero para sermos contratadas e, depois, precisamos fazer dez vezes mais para nos manter no trabalho. Além disso, temos que omitir várias situações de transfobia, porque os locais ainda não estão preparados para lidar com nossos corpos”, pontua Aurora. 

A assistente social Isabela Nunes, gerente técnica do Camp Mangueira, organização que trabalha com aprendizagem profissional, confirma que jovens periféricos e LGBTQIA+ enfrentam desafios adicionais no mercado de trabalho. “Muitos adolescentes da comunidade acabam presos em um ciclo de pobreza. Precisam trabalhar cedo, deixam de estudar e depois têm dificuldades de inserção no mercado. A aprendizagem profissional é uma das poucas políticas públicas que ajudam a quebrar esse ciclo”, explica. 

Isabela Nunes, gerente técnica do Camp Mangueira, reflete sobre o papel da organização na profissionalização de jovens de favelas – Foto: Uendell Vinicius/Voz das Comunidades 

O Camp Mangueira atua preparando jovens para o mercado de trabalho, oferecendo capacitação, oficinas e orientação profissional. “Nós trabalhamos com competências socioemocionais, inclusão digital e preparação para entrevistas. A dificuldade de inserção no mercado de trabalho se agrava quando se consideram outros recortes sociais, como identidade de gênero e orientação sexual. Jovens LGBTQIA+ também enfrentam discriminação velada, que dificulta ainda mais a contratação”, afirma Isabela. 

Mesmo que jovens como Bruno Wellington e Aurora Enibê passem por dilemas diferentes dentro do mercado de trabalho, os desafios estruturais surgem de lugares parecidos. Enquanto a discriminação afasta alguns, outros são excluídos por maior a vontade de pertencer e de conquistar a sonhada carteira assinada. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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