O caso do Vinícius Júnior, que mais uma vez foi vítima de ataques racistas durante uma partida do seu time, o Real Madrid, pela La Liga, reacende a discussão sobre a necessidade da luta diária contra a discriminação racial. Essa luta é ainda mais árdua quando, além de negro, a vítima é favelado ou LGBTQIA+. Oriundo de uma das áreas mais empobrecidas do município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, o craque de 23 anos, “saiu da favela sem nunca ter saído dela”. Continuou carregando no “lombo” todo o estigma colocado a qualquer afrodescendente morador da periferia.
“Vida de negro é difícil, é difícil como o quê…”, diz os versos da canção “Retirantes, de autoria do negro baiano, Dorival Caymmi, que através da sua poesia, celebrou a cultura da “boa terra”, e sobretudo, do povo negro da Bahia. Mas, então. Celebrado como um dos grandes jogadores da atualidade e avaliado em cifras astronômicas no mercado da bola, Vinícius tem uma batalha diária a ser superada: o preconceito. Mais implacável do que os zagueiros adversários, que ele desconcerta com seus dribles (que mais se assemelham a ginga de um capoeira), são os gritos cruéis que vem das arquibancadas, que chicoteiam à sua alma, assim como os senhores de engenho, brancos, faziam com os seus ancestrais.
Não desprezando as agruras daqueles que, diferente de Vini Jr, hoje milionário, permaneceram nas favelas, esquecidos pelo poder público, padecendo nas filas de hospitais, sem perspectivas e vendo seus filhos sucumbirem em desastrosas e genocidas operações policiais, mas o que ele viveu, sendo chamado de macaco, também é uma violência muito grande. O que se passa pela cabeça do jovem ao ver um boneco com a camisa número 20 (a mesma usada por ele no time espanhol) pendurado em uma ponte, simulando um enforcamento? A dor é sem dúvida compartilhada. O negro, mesmo tendo dinheiro e fama, é desumanizado, visto como inferior, o que demonstra a força que o racismo ainda tem no nosso mundo.
Vítima de uma mais violentas e sórdidas facetas do racismo, Vini Jr, assim como Zumbi dos Palmares, optou em não baixar a cabeça. Com seu couro curtido “nas escolas da vida”, o jovem resolveu se rebelar contra os seus algozes. “Vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”, disse o craque, ao ser novamente chamado de “mono” (macaco, em espanhol) em partida contra o Valência, no estádio Mestalla. Hostilizado, Vinicius puxou o árbitro para denunciar um determinado torcedor atrás do gol. Acabou expulso. Saiu do jogo, mas entrou para a história. Seu gesto de insubordinação lhe rendeu o seu mais belo gol. O ex-jogador do Flamengo, nascido e criado numa favelas carioca, que tem um Instituto antirracista que leva seu nome, que une futebol e tecnologia para incentivar crianças a estudar, virou símbolo da luta contra a discriminação no esporte.
Salve os ancestrais Zumbi dos Palmares, Luís Gama, Abdias Nascimento… Salve Nelson Mandela, Martin Luther King. Salve o povo da periferia. E salve Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior!
Tiago Queiróz
Baiano de Salvador-BA, é graduado em Jornalismo e editor-chefe do NORDESTeuSOU, maior portal comunitário do Norte-Nordeste.