Tudo começou em 2022, quando a jovem manicure e estudante de enfermagem, Katlen da Silva, moradora da Pedra do Sapo, no Alemão, decidiu dar um susto em Luan Oliveira. “Eu falei, vou zoar o Luan, vou ‘trollar’ ele, vou falar que eu tô grávida. Aí eu falei, Luan, manda um teste de gravidez aqui pra casa.” Durante a ‘pegadinha’, quando fez o teste, descobriu que realmente estava grávida. Kevin veio ao mundo em outubro do mesmo ano, mas o parto não foi como esperado. Katlen sofreu violência obstétrica.
Antes de falar da história de Katlen é importante dizer o que significa violência obstétrica. Violência obstétrica, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), se refere a maus-tratos físicos, verbais ou emocionais que mulheres enfrentam durante o parto e o atendimento pré-natal. Isso inclui práticas desumanas, falta de consentimento, discriminação e negação de tratamento adequado. Logo, impacta de forma negativa a saúde e o bem-estar das mulheres e também da família.
O início do calvário
As contrações de Katlen, na época com 18 anos, começaram na madrugada do dia 22 de outubro. Ela foi ao Hospital Maternidade Maria Amélia, mas foi mandada de volta para casa três dias seguidos após verificarem a dilatação. Tentaram o hospital da mulher em Laranjeiras, mas também não conseguiram internar. “A moça falou: infelizmente não podemos ficar com ela, porque aqui é prioridade para as pessoas que têm mais riscos”, disse a mãe de Katlen, Rejane Oliveira. A médica concluiu que a jovem não passaria de 4 centímetros de dilatação por não ter passagem no canal vaginal.
Em casa, Katlen fez o que podia para facilitar o parto, como subir e descer escadas. “Foram três dias de dor intensa,” relata. A dilatação não passava de 4 centímetros e o hospital a receberia só com 7. Desesperados após mais um “não” do hospital, a família passou a noite no carro aguardando. A gestante só foi atendida porque conhecidos ajudaram com contatos.
Parto humanizado?
No chamado parto humanizado, o parto normal é a referência de procedimento, pois causa menos danos à mulher. Porém, a cesárea é indicada em situações específicas onde a saúde da mãe ou do bebê está em risco. A decisão de optar por uma cesariana deve ser bem informada com cuidado e respeito com a mulher, bebê e família, segundo o Ministério da Saúde. No entanto, isso não foi o que aconteceu com Katlen.
“Aí minha mãe falou assim pra mim: não grita. Se você gritar, eles vão te deixar aí sozinha”, explicou a jovem. Apesar da dor intensa que sentiu por dias, a maternidade ainda queria fazer o parto normal. “Eu me ajoelhei e falei, Deus, por favor, me ajuda. Preciso da sua ajuda, meu Deus. Pelo amor de Deus, tira essa criança de mim”, relembra demonstrando o seu sofrimento.
Além disso, a cesariana, entre outros casos, pode ser feita quando a dilatação não evolui. “Minha família tem esse problema de passagem, então eu só sofria. minha pressão também estava oscilando”, explica Katlen.
Até que a situação se agravou. Decidiram fazer a cesariana quando viram que o batimento cardíaco de Kevin estava em setenta e diminuía cada vez mais. A equipe resolveu então agir. “Fui cortada de qualquer jeito. A anestesia só pegou na terceira tentativa, e eu ainda senti”.
A cesariana também é recomendada se houver sinais de sofrimento do bebê, como foi o caso de Kevin. Ele na estava com frequência cardíaca anormal. Ou seja, o bebê não está recebendo oxigênio suficiente durante o trabalho de parto.
Após a cesariana, Kevin precisou de intervenção médica rápida. “Jogaram ele para trás de mim para reanimá-lo. Eu estava dopada, mas lembro de perguntar se ele tinha chorado.” E Segundo Rejane, avó de Kevin, uma profissional falou que só saberiam se ele sobreviveria após três horas do parto. Rejane teve que segurar as emoções e não contar toda a verdade para os pais de Kevin.
O pós-parto, cicatrizes físicas, emocionais e o apoio familiar
Um dia após o parto, Kevin foi levado para a UTI e o pai, Luan, acompanhou parte dos dias em que o filho estava internado. Mamadeiras eram proibidas e os bebês tinham que ser alimentados em copinhos, o que é um procedimento padrão nas maternidades. “Ele não bebia no copinho. Se engasgava, botava pra fora. Ele não tava se alimentando,” explicou. A situação melhorou quando uma fonoaudióloga autorizou o uso da mamadeira. “Eu tinha que ir pra uma sala, escondido, pra dar a mamadeira a ele”, lembra.
Katlen afirma que um dia após o parto, o hospital a mandou para casa. Mesmo com os pontos da cesárea, ia ao hospital ver o filho, o que causou a abertura deles e inflamação. A cunhada cuidou da ferida causada pelo deslocamento até a maternidade.
Ela também conta que a cicatriz deixada afetou sua autoestima e saúde mental. “Hoje em dia eu tento não olhar pra minha cesárea, porque é algo que me machuca muito quando eu vejo, pra minha estética no caso. E eu lembro de tudo que aconteceu pra ela estar daquele jeito.” No entanto, garante que a família foi fundamental para que ela tivesse um pós-parto mais tranquilo, aliviando todo o trauma que passou.
Respostas da Secretaria de Municipal de Saúde
Em resposta ao Voz das Comunidades, a direção do Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda (HMMABH) disse que a internação de pacientes ocorre quando há trabalho de parto ativo ou condições clínicas que exijam monitorização. Segundo eles, Katlen não apresentava sinais de parto. Alegaram que as cesáreas são realizadas conforme protocolos atuais e que o hospital garante visitas ampliadas para pais e avós de recém-nascidos internados. O procedimento foi explicado para a família, segundo a maternidade. Para concluir, afirmaram que a unidade tem o compromisso com o cuidado humanizado e se mostrou disponível para responder outras dúvidas.