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“Eu não tenho medo de arriscar quando é em prol de um sonho”, Matheus Prisma, cria de Antares, conta sua trajetória até a São Paulo Fashion Week

Filho mais velho de 8 irmãos, o modelo conta que sua mãe o inspirou e sonha em fazer revistas como Vogue e Elle.
Foto: Reprodução.

Matheus Prisma, 24 anos, é modelo, nascido e criado em Antares, zona Oeste do Rio de Janeiro (RJ). O mais velho de sete irmãos, criados por uma mãe solo, Jane, que o influenciou a apreciar moda. “Herdei da minha mãe (o gosto pela moda), acho que ela foi o start, porque ela sempre gostou de me paparicar, me vestir com cor sobre cor, tom sobre tom, me deixar todo arrumadinho”. Aos sete anos, ao descobrir que haveria um desfile de moda em sua escola, pediu à mãe para participar e fez questão de escolher suas próprias roupas, “quero vestir uma calça jeans, uma polo verde e um sapato branco,” ele recorda.

“Eu sempre fui muito artista, uma criança que gostava dos holofotes, de aparecer.”

A experiência de pisar na passarela pela primeira vez foi, segundo ele, uma sensação indescritível. “Quando pisei na passarela, senti uma energia tão boa, tão gostosa e tão única que pensei: ‘Quero isso para minha vida!’ Essa energia continua até hoje, uma energia sexy e contagiante,” conta Matheus.

Com a certeza da profissão que queria, aos 15 anos ele já tinha inspirações nas passarelas e logo começou a se inscrever em agências de moda. “Eu nunca tirei da cabeça essa vontade de ser modelo. Aos 17, comecei a buscar por agências no RJ e mandar mensagens”. O modelo chegou a ser selecionado em algumas, mas após a seletiva era cobrado um valor alto para o book (conjunto de fotos essencial para vender o modelo a possíveis clientes).

Como o custo era muito alto, fazer as fotos estava fora de cogitação. “Meu sonho, que começava a se tornar realidade, virou um pesadelo. Olhava minha realidade e pensava: ‘quando que eu ia conseguir desembolsar esse dinheiro para custear o meu sonho? Nunca. Irmãos de sete, de periferia, mãe solo… isso foi me desestabilizando”. Pensando no futuro da carreira, Matheus decidiu procurar um emprego, juntar dinheiro e fazer o book.

Matheus alerta que em agências sérias não é cobrado pelo book: “Depois de muito tempo, descobri que quando a agência aprova um modelo e pede para ele pagar um book caro, ela não trabalha com modelo, trabalha com tudo, menos com moda. É golpe. Graças a Deus eu não cai.”

Ele começou a trabalhar como assistente de serviços gerais aos 18 anos. No início, ainda tentava algumas seletivas para agências, mas o sonho foi ficando de lado. “Eu estava cansado de bater na porta e nunca atravessar. Isso estava acabando comigo, mesmo que eu ainda tivesse esperança”. Esse emprego não pagava bem, o serviço era muito puxado e nem mesmo a passagem era paga por completo, o modelo decidiu pedir demissão.

Matheus conta que, mesmo trabalhando em uma obra, antes de pedir demissão, um lugar improvável, as pessoas viam seu talento para a moda. “Até mesmo no lugar mais improvável as pessoas vão reparar que você tem um diferencial, sabe? Eu sempre fui modelo, sempre externei isso muito bem, por mais que fosse algo que eu não quisesse, eu transparecia”.

Em um novo emprego, Matheus fazia as mesmas funções. A diferença era o horário de trabalho noturno, das 18h às 6h. “Eu já morava sozinho com meu namorado e precisava pagar aluguel, então não tinha opção. Eu sabia que modelo precisa de uma boa pele, um bom sono, mas minha realidade era outra”. Ele sabia que aquele emprego era necessário, mas mexia com sua cabeça.

Antes de sair do primeiro emprego, ele havia feito uma seleção para um curso técnico de segurança, indicado por uma amiga. Matheus passou no curso, mas as aulas aconteciam à noite, durante o horário de trabalho, e a conciliação era complicada. A empresa enrolava para emitir a documentação que permitiria as faltas sem reprovação, mas Matheus seguia indo às aulas.

“Depois de um tempo, pensei: ‘Essa realidade não é a que eu quero para minha vida. Eu quero ser modelo. Matheus, acorda!’” Nesse período, um amigo falou sobre uma agência em Nova Iguaçu que procurava modelos no perfil dele. A agência oferecia um curso de um ano com uma mensalidade simbólica. Ao final, havia um casting, e os alunos aprovados se tornavam modelos da agência.

Matheus procurava outro emprego para conciliar com o curso técnico, o horário do atual trabalho era complicado. Para o curso de modelo, ele precisaria passar por uma seletiva às 18h, e ficou indeciso por ter que faltar ao trabalho, uma empresa rígida. “Eu sou muito ligado a Deus. Se vou a um lugar, já estou pronto e falo: ‘Deus, posso ir?’ e ele fala não, eu tiro a roupa, tomo um banho e deito.”

Enquanto se questionava sobre ir a seletiva, “Ele (Deus) dizia para mim ‘vá, vá’, então decidi ir”. Outro desafio era a roupa, a agência pedia trajes pretos, mas ele não tinha nada preto. “Tenho uma intimidade muito forte com Deus. Eu falei: ‘Mas não tenho dinheiro para comprar roupa preta, e agora?’”, ao escolher uma calça, sentiu um papel, eram 150 reais. Ele conta com surpresa que, “eu não tinha guardado aquele dinheiro, eu não tinha aqueles 150 reais, não era meu, não era do meu namorado. Loucura, se não fosse comigo talvez não acreditaria, não era meu, eu não tinha guardado dinheiro nenhum”.

O modelo encarou isso como uma confirmação, pegou uma blusa preta emprestada com o namorado, comprou uma calça preta e foi a seletiva. No caminho, desconfiado, pensou que seria como sempre, faria a seleção, passaria e depois cobrariam um book caríssimo. Para sua surpresa, foi diferente: tratava-se de uma seletiva para um workshop com uma mensalidade simbólica de um ano. Aprovado para o curso, encontrou outro desafio, as aulas eram aos sábados, mas ele trabalhava no regime 12h por 36h.

“Deus escreve certo por linhas certas.” Matheus foi chamado para uma nova vaga de emprego, tinha a mesma escala, mas diurna. Ele iniciou o curso e fez um acordo para trabalhar dois dias e folgar dois dias, garantindo os sábados, quando aconteciam as aulas. No entanto, com o tempo, o acordo tornou-se inviável para a empresa, e ele compreendeu o lado deles. “Das quatro aulas do mês, eu só ia a duas. Precisava ser duas vezes melhor para estar no mesmo nível dos meus colegas, então estudava no horário de almoço, treinava passarela no trabalho e no banheiro.” Largar o trabalho não era uma opção, era o que pagava o curso e bancava casa e aluguel.

“Eu não tenho medo de arriscar quando é em prol de sonho, eu boto a cara e vou”

Matheus fez amizades no trabalho, “eles viram minha luta de um ano, eles sabem que eu sou um bom funcionário e isso foi um diferencial na hora de eu ter que ir embora da empresa”. Ao final do curso de modelo, ele participou do casting e foi aprovado para ser modelo da agência. Emocionado, o modelo relembra sua reação: “ Foi o dia mais feliz da minha vida, finalmente a minha favela ia ter alguém que eles pudessem olhar e se inspirar em relação a moda, eu vi que ali a minha vida começaria a mudar, o sonho do menino de sete anos estava sendo realizado, depois de tanto tempo, demorou mas aconteceu! foi muito difícil, muito, muito difícil, só eu sei pelo o que eu passei”.

O modelo conta que sempre teve apoio na sua trajetória, no trabalho, nas redes sociais e na família, “eles foram a minha rocha, eu fiz disso a minha força”. Passando para a agência ele queria muito sair do seu emprego e entrar de cabeça na vida de modelo, mas resolveu se manter até essa oportunidade se concretizar de vez. Ele ficou sabendo de uma viagem para São Paulo, todos os modelos conheceriam agências na cidade, “ em São Paulo é onde tudo acontece”, resolveu ficar no trabalho para conseguir pagar essa viagem, juntou dinheiro e no seu período de férias, viajou.

“Eu era modelo, estava viajando para São Paulo, estava começando a viver a vida de modelo que via minhas referências ter”, Matheus fala sobre o sentimento da sua primeira viagem como modelo. Ele fez castings em São Paulo, passou para uma agência e voltou para o Rio de Janeiro. Algumas semanas depois assinou o contrato, fez as polaroids e as férias acabaram, no mesmo dia ele conseguiu um trabalho como modelo em São Paulo.

“Se algo fica em frente a minha carreira, para mim não serve!”

“Eu fiquei muito feliz porque foi muito rápido, eu não imaginava, mas ao mesmo tempo fiquei chateado”, o modelo percebeu que precisaria sair do seu trabalho antigo, ou seria um empecilho para a sua carreira. Os chefes de Matheus ficaram tristes com a saída do modelo da empresa, mas felizes pela conquista. Ele conta que “todo mundo que me via andando com aquele carrinho, com aquela vassoura, com aquele pano, com aquele balde, via que eu era modelo”. 

Com a saída da empresa, logo Matheus começou a se planejar para morar em SP. Nesse meio tempo ele foi para a cidade fazer o material fotográfico e já fez seu primeiro trabalho como modelo. “As portas realmente estavam abertas, ele já não era mais um auxiliar de serviços gerais, ele já não era mais só um menino favelado, ele já não era mais só um menino que só tinha sonhos, ele era modelo, o sonho dele estava sendo realizado”. Ele conta que voltou para RJ, buscou sua mudança e se mudou definitivamente para São Paulo.

São Paulo Fashion Week 58: “Tudo que eu mais quero”

Matheus fez alguns castings para desfilar no São Paulo Fashion Week (SPFW), foi selecionado por duas marcas. “Uma delas eu sempre sonhei, mas estava muito feliz que faria para duas marcas”, era a estreia de Matheus em passarelas, ele se sentia orgulhoso por ser em uma tão importante. “Foi lindo, os bastidores, os donos animados, eu estava eufórico”, conta o modelo.

“Eu estava vivendo os meus maiores sonhos, ser modelo e desfilar no SPFW”, era o que Matheus pensava enquanto era maquiado. Ele conta como se sentiu momentos antes de entrar na passarela, “Meu coração parecia sair pela boca, uma emoção, uma euforia, mas eu lembrei tudo que eu passei para chegar até ali, tudo enfrentei e como era bom fazendo aquilo”. Ao entrar na passarela o modelo descreve que “é como se não tivesse ninguém ali e eu estivesse flutuando, durante alguns segundos naquele lugar eu só via tudo preto, uma sensação gostosa, a música gostosa, foi incrível”.

No segundo dia de SPFW, Matheus Prisma disse que se sentia ainda mais nervoso, ele se identificou muito com a história da marca, era uma referência. “Eu tinha que entregar, era um sonho trabalhar com aquela marca, eu lembro de entrar na passarela e sentir uma energia, uma atmosfera dentro de mim é só soltar (…), fiz! Caraca! eu consegui, a saia que era um look difícil, parecia uma pena, eu não senti ela, eles pediram para fazer da saia só um acessório e foi exatamente o que ela foi”. Matheus conta que ao chegar em casa chorou muito de emoção, dormiu e ao acordar seu rosto estava estampado em todos os portais de moda, ele tinha sido destaque do desfile, “eu agradeci e fui feliz, deus fez tudo certo”.

“Tudo isso porque acreditei no meu potencial, acreditei que seria possível mesmo com as adversidades”

O modelo conta um pouco da relação com seus irmãos, “eu sou feliz demais por ser atualmente uma referência não só para minha favela, para as pessoas da minha favela, mas também para os meus irmãos, nada me fez faz tão feliz do que ver eles sonhando, brincando comigo do que estou conquistando  e sonhando os próprios sonhos através de mim, fico muito grato por isso, nada me deixa tão feliz do que ver eles me vendo e sonhando seus próprios sonhos”.

Matheus aproveitou para deixar um recado: “Eu sou feliz por ser da favela, eu sou feliz por ser favelado, porque hoje eu posso ser um canal de referência para muitos que pensaram que seria limitado pela favela. Não,  a favela é um lugar que tem diamantes brutos, que estão esperando a oportunidade, alguém que olhe com carinho, com atenção, comigo não foi diferente, eu só precisava da oportunidade certa para ser lapidado, para que tudo isso fosse realizado. Sou muito grato ao Workshop Models, a Camila Lima, Contraste MGT, ao Cadu, a Angélica, toda minha equipe, aos meus amigos, a minha família e aos meus seguidores que nunca desistiram. Hoje eu sou referência na minha favela e eles fazem questão de falar isso pra mim, isso mostra que fiz um ótimo trabalho, as escolhas certas. Uma frase que eu sempre falo e vou carregar comigo para sempre “Nada é tão seu quanto seus sonhos”, só você pode fazer seus sonhos se tornarem realidade, só você!”. 

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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