A série “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, lançada em agosto deste ano, não traz apenas um olhar sobre a vida nas favelas cariocas, mas também abre espaço para talentos desses territórios. No elenco, dez atores são formados pelo Instituto Arteiros, que atua na Cidade de Deus há 14 anos. A produção audiovisual é uma continuidade do premiado filme “Cidade de Deus” e se tornou mais que um trabalho para esses atores: é a concretização de um sonho.
João Félix, ator que interpreta o personagem “Cerol”, fala sobre o impacto do Instituto Arteiros em sua trajetória. “Uma coisa que eu aprendi muito nos Arteiros é observar, trazer outras possibilidades, outras perspectivas para o meu personagem. Por exemplo, o Cerol é um moleque da boca, preto (…), eu tento trazer outras camadas, outros recortes. Ele sente, ele tem sentimentos, ele tem desejo, ele tem sonhos. Ele não é um moleque que ele está na boca só porque ele quer tá na boca. Ele tem outros desejos, outras vontades”, conta João.
Inicialmente o projeto começou como um grupo de teatro, hoje se tornou um Instituto. Ricardo Fernandes, idealizador e fundador do Arteiros, conta que o ponta pé “veio da necessidade de oferecer um espaço onde crianças da favela e das periferias pudessem expressar suas vozes, suas histórias e seus talentos, sem os estigmas e as limitações geralmente impostos a quem vem desses territórios”.
Com o tempo a iniciativa se transformou, “o projeto cresceu e evoluiu, transformando-se em uma plataforma de oportunidades reais de formação e inserção no mercado artístico. Hoje, além das aulas de teatro, oferecemos também aulas de roteiro, reforço escolar e outras possibilidades nos eixos de educação e social”, explica Ricardo. Ele acrescenta que o objetivo do Instituto Arteiros é é expandir os conhecimentos e vivências das pessoas, possibilitando crescimento profissional.
Rodrigo Felha, fundador do Instituto, é roteirista da série e morador da Cidade de Deus. Segundo ele, a participação dos atores formados na organização é uma concretização, “a participação de todos os atores, se dá por uma questão muito lógica, que parte de um trabalho que a gente sempre prezou: um trabalho de excelência em relação a preparação dos atores”, complementa. Enquanto roteirista, ele conta como foi escrever o roteiro da série, “eu de fato vivo a cidade de Deus no seu todo. Sei o que está acontecendo no território vivo, participo. (…) Então, todas as experiências que o esses jovens passam ou passaram, de certa forma, eu já passei também”.
Além da vivência com a comunidade, o roteirista falou sobre a proximidade com os jovens que deram vida aos personagens que criou, “foi muito alegre escrever cenas em que eu já via a participação de atores do instituto arteiros. Cenas que com certeza se encaixavam perfeitamente com cada perfil do ator, artisticamente e também do ser humano”.
Victor Andrade, ator que interpreta o personagem “Geninho”, revela que participava de ações sociais realizadas pelo Arteiros, mas sempre fugiu dos palcos. Durante a pandemia com a necessidade de conseguir mais cestas básicas para comunidade, surgiu a ideia de um espetáculo em formato online, “o Ricardo falou: “Cara, você vai ter que atuar!”, e eu fujo dele há muitos anos. Eu falei: “Não, cara, como assim?” e ele respondeu: “A gente está no meio de uma pandemia, os atores da casa estão todos em casa de quarentena, você vai ter que atuar”, relembra Victor. Sem escolha, Victor atuou pela primeira vez, no maior espetáculo da casa, a peça “Amores”.
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
Apesar da apresentação bem sucedida, Victor conta que não continuou estudando atuação após o espetáculo, ele trabalhava CLT e tinha dificuldades para acreditar que poderia viver daquilo. Mesmo assim, o ator voltou para o teatro depois de um tempo, sem expectativas de que se tornaria seu sustento, até o convite para a série “quando estreia “Cidade de Deus”, eu penso: É por isso aqui que eu quero batalhar, com isso aqui que eu quero ganhar a vida. É isso aqui que me faz me sentir tão bem, tão vivo, tão intenso”, fala Victor.
Para Ricardo Fernandes, a participação de tantos talentos do Instituto Arteiros em uma produção dessa magnitude é também uma mensagem de representatividade e transformação, “cada ator que aparece em cena não está apenas atuando, mas ocupando um espaço que historicamente lhes foi negado. Essa representatividade quebra barreiras e redefine o papel do jovem negro e periférico no audiovisual brasileiro”.
O ator João Félix, disse um pouco sobre sua experiência nesse projeto audiovisual “um dos métodos do Instituto Arteiro é a atuação com muita verdade, com muita entrega. Sempre que eu assisti o filme “Cidade de Deus”, sempre despertou em mim esse lugar de estar participando do filme, porque tu vê muito atuação, com muita verdade, entrega. Isso é muito de acordo com o método de trabalho que a gente aprende no Arteiros. Então está participando da série e ter o filme como referência para o meu trabalho e para tudo que eu desenvolvo, é muito gratificante a realização de um sonho”.
O interprete de “Cerol”, conta como enxerga seu futuro depois da série “Um dos maiores aprendizados que vou levar dessa experiência, é acreditar de fato que eu sou potência, um ator. Que eu sou capaz de fazer uma série com essa magnitude, não só a Cidade de Deus, como outras. Cidade de Deus não é o meu auge, o lugar como um fim, tipo ‘caraca, cheguei no ápice que eu poderia chegar’, muito pelo contrário, é um processo. Tenho certeza que é um caminho aberto para mais, (…) eu sou potência naquilo que estou fazendo”.
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
Victor Andrade acrescenta que o Instituto Arteiros é uma referência para muitos jovens, não só na Cidade de Deus, mas também em outros espaços do Rio de Janeiro. “O instituto arteiros sem sombra de dúvidas, é um ponto de norte para jovens atores que tem a vontade, tem um desejo, tem a disposição, mas não sabe por onde partir, não sabe por onde começar. Eu acho que Arteiros hoje é esse ponto de referência para todo e qualquer jovem, não só da Cidade de Deus, a gente tem pessoas de Seropédica, Niterói, pessoas de muito longe, fazendo parte do elenco do instituto arteiros”.
Futuro do Instituto Arteiros
Para 2025, a ideia é fortalecer ainda mais a parte é artística, que já está consolidada. Segundo Rodrigo Felha, isso se dá também pelo desejo, de ter uma escola audiovisual, já existe um projeto e onde estamos atrás de recurso, para consolidar o teatro e audiovisual em um único ambiente.
O Instituto Arteiros segue abrindo portas e formando jovens, para mais informações sobre a próxima audição basta seguir as redes sociais: institutoarteiros.