Ver manifestações de arte em territórios favelados é uma raridade. O acesso à cultura é um direito historicamente negado nos morros, becos e vielas. Por isso, os crias se movimentam de diversas maneiras para levar poesia e saberes ancestrais para seus territórios.
Há sete anos, o Slam Laje acontece com o objetivo de valorizar as escritas negras e faveladas que ecoam no Complexo do Alemão. No início, a batalha de poesia era itinerante e passava por diferentes partes do CPX. Agora, o evento rola uma vez por mês no seu ponto fixo: o Condomínio da Paz.
Os Slams acontecem no Rio de Janeiro desde 2013. Poetas devem recitar poesias autorais sem adereço cênico ou fundo musical. O corpo e a voz são as principais ferramentas. A competição conta com jurados que pontuam as performances e definem o vencedor de cada edição.
A falta de um evento como esse em territórios periféricos influenciou a criação do Slam Laje. Em 2017, Mc Martina e outros moradores do Complexo do Alemão se mobilizaram para trazer batalhas de poesia para o CPX. Assim, o Laje se tornou uma das primeiras competições de poesias realizadas em uma favela do Rio de Janeiro. Na época, a artista de 26 anos frequentava slams em diferentes partes do Rio de Janeiro e já era mestre de cerimônia.
De sete anos para cá foram muitas mudanças, vitórias e desafios. Mas a coletividade da equipe e dos moradores sempre fortalecem o Slam de alguma forma. Segundo a MC Martina, 90% do público do Slam Laje são crianças. Ela acredita que as poesias recitadas são uma forma de incentivo à leitura.
“Várias coisas eu falava e as pessoas não prestavam atenção em mim. Daí eu comecei a rimar, aí as pessoas me deram atenção. Com o Slam Laje a gente tenta tornar a literatura interessante. Eu li meu primeiro livro já era adolescente, não achava maneiro. Então, com Slam a gente traz essa cultura da poesia oral, que é ancestral e torna tudo mais interessante”, conta Mc Martina.
Se tradicionalmente o Slam é só batalha de poesia, o Slam Laje inova trazendo batalhas de tiktok, passinho e pockets show. A premiação para os vencedores não poderia ser outra: livros. O objetivo é incentivar a literatura dentro e fora do evento. Para Karyne Passos, educadora e coordenadora de produção do evento, a arte e a cultura funcionam como ferramentas de ensino.
“Eu também vejo o slam como ferramenta de reeducação das relações étnico raciais. Nas escolas a gente tem a lei 10.639, que fala sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira. Quando a gente entra na sala de aula a gente não vê isso acontecendo de verdade, mas quando a gente vai numa batalha de poesia a gente vê essa educação na prática”, explica Karyne.
Com seis horas de duração, o Laje mostra uma identidade que tem a característica da favela. Dentro das poesias, os autores abordam as diferentes realidades de corpos que são marginalizados pelo Estado. O Slam se torna um amplificador de vozes que são ignoradas pela sociedade, mas acolhidas pela arte de poder ser quem é sem julgamentos.
“É possível fazer poesia e também viver poesia. Quando a gente ouve a poesia no Slam a gente tá ouvindo sobre a vida dessas pessoas que são pretas, da periferia, LGBT. Quando elas colocam a vida delas na poesia, elas se tornam poesia em si”, comenta Karyna.
O slam é uma arte levada a sério. Cada batalha de poesia precisa ter ao menos seis edições para enviar o campeão para o Slam RJ, o campeonato de poesia falada do estado. Consequentemente, o selecionado irá para o Slam BR, o tão sonhado campeonato nacional. Em 2017 e 2018, o Laje foi campeão na competição estadual. Neste ano, a batalha de poesia do Complexo do Alemão já tem uma representante: a Nega Jay.
Apesar das vitórias, existem muitos desafios em manter um evento cultural de forma independente. Poucas edições do Slam Laje foram financiadas por editais. A maioria das batalhas são realizadas com o dinheiro dos próprios organizadores. Além disso, o evento também precisa de uma sede para guardar os equipamentos de produção.
A coletividade é o que faz o Slam Laje permanecer. Além da equipe fixa de fotógrafos, djs e produtores, a batalha também conta com a colaboração dos moradores do Condomínio. O fortalecimento da poesia negra e favelada é fundamental para o desenvolvimento do território e de todo público atingido. Os desafios impostos vêm justamente da falta de valorização de saberes negros e ancestrais.
“Slam, pra mim, é um fenômeno literário. Depois do Slam, aumentou muito o número de pessoas pretas, faveladas e escritoras produzindo literatura. Só que essas pessoas não são tidas como escritoras. Mas se fosse qualquer outra pessoa de outro espaço, com dinheiro e com a pele mais clara, iam chamar de intelectual. Eu vejo esse preconceito na literatura”, afirma MC Martina.
O Slam Laje acontece no Condomínio da Paz, que fica na Rua Engenheiro Manoel Segurado, número 96. A próxima edição será no dia 22 de setembro.