Imagine a cena: uma mulher negra baleada tendo seu corpo sendo violentamente arrastado por uma viatura da Polícia Militar. Há cerca de 11 anos o Brasil presenciou essa cena. A mulher era Cláudia Silva Ferreira, mãe de quatro filhos, que tinha 38 anos quando saiu para comprar café da manhã perto de onde morava, no morro da Congonha, em Madureira, Zona Norte do Rio. Ela foi baleada no pescoço e nas costas por policiais militares durante suposto confronto no território.
Além de baleada, Cláudia foi colocada no porta-malas do carro da PM e, enquanto o veículo percorria a Estrada Intendente Magalhães, ela rolou, ficou pendurada no parachoque do veículo por um pedaço de roupa e foi arrastada pelo asfalto por cerca de 350 metros. Pedestres e outros veículos alertaram os PMs, mas eles demoraram para parar.
No momento em que a cena acontecia, um cinegrafista amador registrou todo o ocorrido, mas apesar da barbaridade, os policiais envolvidos foram absolvidos no julgamento há um ano, em 2024. O juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, da 3ª Vara Criminal, determinou que os policiais agiram em legítima defesa e que os disparos que acertaram Cláudia foram apenas um erro.
- PMs acusados pela morte de Cláudia Ferreira arrastada por viatura no Rio são absolvidos pela justiça
Cláudia, conhecida como Cacau, era auxiliar de serviços gerais no hospital naval Marcílio Dias e além de quatro filhos cuidava dos quatro sobrinhos. Acordava todos os dias às 4h30 da manhã, e faria 20 anos de casada no ano em que foi morta.
A família de Cláudia nunca superou o acontecido e eles fizeram um acordo com o governo para receber uma indenização e mudar do local que trazia tantas lembranças ruins. Para a antropóloga e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Flávia Medeiros, Cláudia foi revitimizada diversas vezes.
“Chamar atenção para essa dimensão de como que essas pessoas são desconsideradas em vida, mas também em morte, e como após a sua morte segue descredibilizando sua existência, expondo a sua vida e sua condição. Então, se as instituições não são capazes de responsabilizar os agentes do estado nessa dimensão oficial, processual, ou até mesmo de um desejo punitivo que parte da sociedade tenha, haveria outras formas de fazer justiça que seriam essas do respeito, da consideração, da não repetição”, explica a antropóloga.