Texto: José Aerton
Definitivamente precisamos, todos nós, de muitos espelhos. É claro que eles combinam perfeitamente com as maquiagens, sem faltar a cereja do bolo, a figura feminina. Esse trio se encanta, se atrai, são cúmplices eternos até que a morte os separe. Sem querer desprezar o papel da mulher na sociedade, eu insisto que nesse momento espelhos nos são mais essenciais. Muito se fala dos invisíveis socialmente, da necessidade de eles serem vistos, não ignorados. Mas a cegueira que os torna não visíveis tem na sua origem o mesmo problema, quem os não vê, também não se enxerga.
É por isso que recomendo espelhos, sim, muitos. Devem estar espalhados pela casa, na sala de jantar, no quarto, no banheiro, na cozinha. Eles podem se ramificar pela garagem, pelo carro, no porta-luvas. Também deveriam se espalhar pelo trabalho, no elevador, no escritório. Faço apelo para que os espelhos sejam um símbolo nacional, sejam reverenciados como padroeiros dos municípios, da nação. Proponho que nas escolas, a lousa seja substituída por um bem moderno, colorido, para atrair a atenção das crianças e adolescentes.
Quase ia me esquecendo que as paredes internas do congresso nacional, do senado federal e da sala presidencial deveriam ser revestidas de espelhos impecavelmente limpos e de alta resolução. Tudo à altura dos que nesses ambientes, despacham, votam, decidem. E porque não aproveitar e não estender essa obra às assembleias legislativas estaduais, aos palácios dos governadores e às câmaras dos vereadores? Certamente a decoração nova seria impactante. Deve ter gente aí desejando que os espelhos se estendam também pelas igrejas, nas casas paroquiais e nos gabinetes dos pastores. Bom, não vou me meter nessa seara. Dizem que religião cada um tem a sua, mas confesso que nos templos religiosos eu gostaria de ver também. Esses objetos refletem nossa imagem, ajudam-nos a perceber como nos caiu a roupa que vestimos, o cabelo que cortamos, o batom que passamos, a barba que fizemos, a cicatriz que ganhamos e a cirurgia plástica do nariz também. Revela ainda aquela barriguinha em pleno crescimento, nesse caso em parceria com a balança. Eles lentamente revelam os músculos conquistados na academia e rapidamente as marcas com as quais o passar dos anos vão nos presenteando. Mas falta algo. Sempre há algo faltando em tudo, no espelho não é diferente. Estou torcendo aqui para que eles cumpram uma função que foge à sua natureza. Tenho certeza de que todos nós ganharíamos com isso.
Sim, se nossos espelhos fizessem o papel, ao menos uma vez por mês, de nos fazer se enxergar, de nos pôr em nossos lugares, de revelar um pouco e pra nós mesmos, como somos, como estamos agindo, tornar-se-iam eles os grandes pacificadores da humanidade. Pena que esses objetos físicos não possam mudar sua natureza, então espalhá-los literalmente não seria uma solução. O que fazer então? Nos restam os espelhos da alma e os olhos da mesma natureza. Com eles é possível enxergar a hipocrisia humana, a corrupção, o charlatanismo, o ódio, a indiferença, o orgulho e todas as demais mazelas que assolam nossa existência e transbordam para as relações interpessoais e sociais. Quando chegar a casa agora, vou olhar para meu espelho com outros olhos. Tentarei fazer dele uma ponte, a porta do guarda-roupa que me levará para a Nárnia do meu interior. Quer fazer o mesmo? Fique à vontade.
José Aerton é poeta e professor de língua portuguesa e italiana