A votação que irá decidir a permanência do veto de ações da Polícia nas favelas do Rio havia sido iniciada nesta sexta-feira (26) no Supremo Tribunal Federal, com o Ministro Edson Fachin votando para que essa proibição se mantenha durante a pandemia do novo coronavírus. A sessão acontece de forma virtual e os ministros teriam uma semana para votar. Entretanto, em razão do recesso do Supremo, a votação irá até o mês de agosto.
Em 5 de junho, Fachin, em decisão liminar, proibiu operações policiais nas comunidades devido à Covid-19. No texto mostra que, em caso de descumprimento, poderá haver responsabilização civil e criminal, e que somente operações, em hipóteses absolutamente excepcionais, serão permitidas. Nesse caso, será preciso comunicar por escrito ao Ministério Público o motivo da ação.
Vidas poupadas
A suspensão dessas ações durante a crise do coronavírus tem sido um alívio para quem vive a realidade das favelas. Diante de um cenário extremamente preocupante, moradores e organizações resistem à violência para colocar em prática a solidariedade e ajudar a população que se vê sem suporte do poder público. Muitas ações sociais foram interrompidas em decorrência de ações policiais e, com esse veto, pelo menos ao longo desse período, os moradores poderão ser supridos e acolhidos sem o susto dos tiros.
A plataforma Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), constatou em um estudo que pelo menos nove vidas foram poupadas desde que a decisão da suspensão das ações foi decretada. Ocorreu uma queda de 75,5% das mortes derivadas de operações policiais entre os dias 5 e 19 de junho comparadas ao mesmo período entre os anos de 2007 e 2019 e a redução de 49,6% em relação aos feridos. Portanto, conforme a pesquisa aponta, durante esses 15 dias de vigência da decisão do STF, 18 vidas foram poupadas, isto é, 9 por semana. Dessa forma, a estimativa é que, no período de um ano, 468 vidas sejam preservadas.
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Liderança das favelas no STF
É importante ressaltar que esta semana, pela primeira vez, o STF aceitou como “amicus curiae” (amigo da corte) organizações como Coletivo Papo Reto, Movimento Mães de Manguinhos, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Fala Akari e Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial. Isso significa que essas irão contribuir, argumentando e levando a visão da favela em decisões do Supremo Tribunal Federal.
“Temos alguns marcos simbólicos e alguns marcos práticos dessa decisão. Simbolicamente é muito importante você ter coletivos de favela no STF falando em seu próprio nome, em nome da população periférica favelada contra o Estado. Favelados processando o Estado brasileiro pela primeira vez perante ao Supremo Tribunal Federal, isso é muito importante. Demarcar território, trazer a discussão racial no janela histórica da luta anti-racista para uma discussão no Supremo Tribunal Federal, que é a Corte Suprema do Judiciário do país“, diz Joel Luiz, advogado e ativista social do Jacaré, Zona Norte do Rio.
Além disso, Joel frisou que é necessário debater os protocolos para a atuação das polícias nas periferias e favelas do Rio de Janeiro, visando sempre a preservação de vidas. Segundo o advogado, “as operações policiais em territórios favelados tendem a ser de maneira extremamente violenta, agressiva e até mesmo com certo amadorismo“, o que acaba fazendo mais vítimas inocentes.
“A verdade é que a polícia sobe o morro achando que todos os milhares de moradores que ali são pseudo suspeitos, com uma leitura que todo mundo ali pode ser um traficante de droga em potencial. A polícia não pode trabalhar contra alguém, ela tem que trabalhar para a sociedade. Mas, para além disso, é entender os critérios que vão pontuar em primeiro ponto: a segurança das pessoas que moram naquele território onde se vai desenvolver a ação policial são abordados na ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) e na decisão do Ministro Fachin. Não é a proibição da polícia subir o morro e combater o tráfico, o que se pauta é que tem esse protocolo rígido, estruturas efetivas para quando houver uma operação policial, a vida seja preservada e não que tenha uma ameaça de morte. Que a Polícia Militar e Civil do Rio de Janeiro parem de tratar a morte de inocentes como dano colateral, porque isso é inadmissível. A vida se sobrepõe à propriedade privada e ao registro de recuperação ou de encontro de 10, 20, 30kg de maconha ou cocaína“, declara Joel.