“Ontem passei o dia todo chorando. A dor que eu sinto só vai passar quando o Senhor me levar.” O desabafo de Maria Elizabeth, mãe de Wagner Luiz, um dos 28 homens mortos na chacina do Jacarezinho, revela a ferida aberta que ainda sangra, quatro anos depois da operação mais letal da história do Rio de Janeiro, realizada pela Polícia Civil em 6 de maio de 2021.
A ação, que deixou 28 mortos, incluindo um policial, é denunciada por organizações de direitos humanos como uma execução em massa. Na comunidade, o sentimento ainda é de revolta, abandono e luto. “Disseram que não podiam exumar os ossos do meu filho. Não sei se o cemitério jogou fora, se fez alguma coisa. Ninguém me dá resposta. Tudo parou. E as mães se espalharam, muitas ficaram doentes. Uma delas, por exemplo, está muito doente também”, relata Elizabeth, que hoje sofre de problemas cardíacos agravados pelo trauma.
Ela denuncia a ausência do Estado após os primeiros meses de comoção. “A gente teve contato com a Defensoria no começo. Agora, não temos mais nada. Todo mundo se calou. E a polícia continua agindo do mesmo jeito. Entra atirando para depois ver quem é. Cercam a comunidade, matam, e dizem que foi troca de tiros. Teve execução. Quem morava lá sabe.”
A chacina do Jacarezinho é símbolo de uma política de segurança pública baseada no confronto armado em territórios de favela. As famílias das vítimas denunciam que não houve investigações completas, nem responsabilização dos agentes envolvidos. Um relatório da Polícia Civil afirmou que 25 dos 27 mortos tinham antecedentes, justificando as mortes. Mas testemunhas contestam a versão oficial.
Entre as vozes que se recusam a deixar o caso cair no esquecimento está a da ex-vereadora Mônica Cunha, referência na luta por direitos de famílias afetadas pela violência estatal. Mãe de um jovem assassinado por policiais em 2006, ela transformou a dor em política. “Quando me tornei vereadora, a primeira coisa que fiz foi pedir desculpas. Mesmo sem ter responsabilidade direta, eu senti que precisava fazer isso. Quem está nesse lugar tem obrigação de se posicionar”, afirmou.
Para Mônica, a chacina do Jacarezinho representa uma política racista institucionalizada. “A maior falha do governo são as práticas racistas que ele desenvolve, personificadas no governador Cláudio Castro. Quem atira tem responsabilidade, mas quem manda, tem ainda mais. Ele autorizou aquela operação sem respeito pelo território nem pelas vidas ali”, disse.
A operação, que ocorreu às vésperas do Dia das Mães, é, para ela, uma violência com requintes de crueldade. “Foi como dizer: ‘Eu mato, mas eu também machuco’. Como uma mãe vai sorrir no Dia das Mães, recebendo o caixão do filho?”

Para garantir memória e visibilidade, Monica criou a Semana Municipal das Vítimas de Violência, aprovada na Câmara do Rio. Este ano, porém, o evento não será realizado dentro da casa legislativa. “Mas do lado de fora, vamos nos manifestar. Essa lei existe. E marca a resistência dessas mulheres.”
Monica defende que o Estado precisa fazer reparação às comunidades atingidas. “Enquanto a gente não enfrentar o racismo de frente, não vamos parar de viver essas tragédias. Meu papel é dizer: o povo é prioridade. O povo preto, pobre, favelado, as mulheres, os jovens… Somos quem constrói essa cidade. E enquanto houver racismo, não haverá democracia.”