Moradia deveria ser um direito básico e fundamental para todo cidadão, como garante a Constituição de 1988. Mas, para os moradores da favela da Skol, a garantia parece não valer. São 15 anos à espera da casa própria. Cinco anos assistindo a uma obra que parece interminável. São anos de promessas falsas e dignidade tirada dessas famílias.
Ainda no início dos anos 2000, o terreno onde funcionava a antiga fábrica da Skol foi ocupado. Em 2009 um dos prédios pegou fogo, no ano seguinte o local foi declarado área de risco pelo governo do Estado do Rio de Janeiro. Esse foi o estopim para a remoção das famílias do lugar.
Em 2011 os prédios foram totalmente desocupados, após a promessa de que todos os moradores do local voltariam para um condomínio que seria construído, em até um ano e meio, no mesmo endereço, Av. Itaóca, 2777, Inhaúma. Todos foram cadastrados no auxílio “Aluguel social”, para ajudar a custear uma moradia temporária até a entrega das chaves, no valor de R$400,00.
Após 15 anos as famílias ainda esperam pelo empreendimento. A obra, que iniciou apenas em 13 de junho de 2022, avança a passos lentos. O valor dos aluguéis subiu, mas o auxílio permanece o mesmo. Na placa em frente ao condomínio, o prazo prometido é de 540 dias. Quase 500 dias além do previsto, as famílias seguem sem respostas concretas.
O tempo não espera
Janaína da Costa, 57 anos, saiu da ocupação em 2011, com o marido e três filhos. Ao longo de tanto tempo seu esposo acabou falecendo, uma das filhas se casou, o filho se profissionalizou e foi morar sozinho. A casa que seria para morar a família inteira, quando entregue vai abrigar apenas mãe e filha.

Tiago Fortunato, 42 anos, espera a finalização do condomínio no lugar da mãe, que faleceu aos 65 anos, sem realizar o sonho da casa própria. “Ela sempre falava ‘filho tiraram nossa casa, mas calma, vamos sair do aluguel, vamos conseguir chegar no nosso apartamento’, mas até hoje estamos na espera”, conta Tiago.
Mais do que um desejo, a casa própria representa dignidade, o direito de recomeçar sem incertezas. Enquanto a espera se arrasta, a rotina de muitos moradores é marcada por sacrifícios para manter o aluguel.
Neuza Azevedo, 65 anos, conhece bem essa realidade. Cuidadora de idosos, ela lida com o peso da idade enquanto cuida de outras pessoas. “É uma idosa cuidando de outros”, brinca. Apesar da idade, não pode parar de trabalhar. O aluguel que paga é o dobro do que recebe do aluguel social. Qualquer atraso significa o risco de ficar sem um lugar para morar.

A dificuldade de acesso à moradia não é exclusividade dos moradores da Favela da Skol. Um levantamento da ONG Habitat para a Humanidade Brasil revelou que mulheres negras que vivem em favelas levariam até 184 anos, cerca de sete gerações, para conseguir comprar uma casa própria. Segundo o estudo, 62,6% das famílias em situação de vulnerabilidade habitacional no Brasil são chefiadas por mulheres, que destinam cerca de 30% da renda mensal em aluguel.
Os dados tornam evidentes como a falta de moradia afeta, de forma ainda mais dura, as mulheres em situações de desigualdade e a favela. A luta dessas famílias por um direito básico, como a moradia, continua sendo uma promessa distante.
Talita Ximena, 40 anos, é uma das líderes da luta por moradia e carrega consigo o peso da decisão tomada há mais de uma década, quando deixou sua casa para acreditar na promessa de um futuro melhor. Ela lembra com saudade da casa que tinha. “Eu era feliz, minha casinha era linda, foi construída da forma que eu queria”, lembra. Hoje o aluguel social não cobre sequer o valor da sua moradia. “Se eu ficar doente, quem é que vai arcar com meu aluguel? Quem vai arcar com as despesas de casa?”, questiona. “Faz três anos de obra, todos os dezembros temos a esperança de que nosso apartamento venha a ser entregue e agora mais um dezembro”, completa.

Carlos Henrique Alves precisou se reinventar. Com o valor do auxílio insuficiente para se manter na região, se mudou para a Zona Oeste, onde sua família tinha uma casa desocupada. Se eu dependesse de aluguel para pagar luz, água e aluguel, estava perdido, infelizmente”, diz.
Os anos passaram e a vida de Carlos mudou. Ele se formou, casou-se, teve uma filha que já tem 10 anos. Mas os prédios continuam inacabados, como se o tempo tivesse parado para a promessa nunca cumprida. “Eles colocam no site que vão concluir até dezembro a obra, quantos dezembros mais? Pelas minhas contas, já são três dezembros até agora”, lamenta.
Garantir o direito à moradia digna não se limita à construção de unidades habitacionais, mas também envolve assegurar condições adequadas de vida durante todo o processo, respeitando os princípios constitucionais e promovendo a dignidade das famílias afetadas.
A Secretaria Estadual de Habitação do Rio de Janeiro afirmou, por meio de nota, que a nova previsão de conclusão das obras é dezembro de 2025. Questionada sobre o que acontecerá caso haja mais um atraso e se o aluguel social será reajustado, a secretaria não respondeu até o fechamento desta reportagem.
