Seu pai foi traficante no Complexo do Alemão, conhecido como “Chimbiquinha”, mas em uma das operações policiais ocorridas na área ele foi pego com envelopes de maconha
e, na ocasião, os policiais fizeram com que engolisse toda a droga. Ficou dias internado e hoje não mora
mais na comunidade, mas Daniel nunca deixou de visitá-lo na casa da avó, em Del Castilho.
Mesmo com um histórico de crime na família, Daniel nunca se curvou à profecia que estaria
traçada para o seu destino. Ele nunca sequer se drogou, tampouco se rendeu ao assédio dos
traficantes que por década dominaram o Complexo do Alemão. Daniel foi inclusive chamado
para jogar no time conhecido como “Trem Bala”, dos bandidos, mas ele recusou mais de uma
vez .
– Dizia para os caras que não queria porque eu sabia que eles iam ficar botando pilha na
minha cabeça, chamando para o crime. Me ofereciam roupa, tênis, mas eu nunca aceitei – diz ele.
No Complexo do Alemão, onde nasceu e foi criado, Daniel é conhecido como Ronaldinho,
uma referência ao seu ídolo: o jogador de futebol, Ronaldinho Gaúcho.
– Aqui na comunidade dizem que eu jogo que nem ele – orgulha-se.
Daniel pensou em jogar profissionalmente, mas a dificuldade de viver numa família com quatro irmãos, dois deles deficientes, e tendo somente sua mãe como mantenedora da casa o fez adiar o sonho, assim como o fez parar de estudar para começar a trabalhar aos 15 anos.
Daniel tem 19 anos. Parou de estudar quando cursava a 7ª série, em 2009. Este ano voltou para cursar supletivo e já está na oitava série. Em dezembro estará cursando o primeiro ano. Voltou porque descobriru sozinho que sem estudo ele não teria “direito a nada”. Talvez escolha como profissão ser professor de educação física. Mora com a mãe e os quatro irmãos numa casa pobre na região da Central próxima a Grota, no Complexo do Alemão. A mãe já fez um pouco de tudo, tendo sido, inclusive, catadora de papelão. Mas hoje vive com o dinheiro da ONG Mulheres da Paz e com o Bolsa Família, totalizando uma renda mensal de R$ 700,00 por mês. Um dos irmãos com deficiência precisa de remédios controlados.
Daniel já trabalhou como copeiro, na construção civil, mas nunca de carteira assinada. Tem
cursos de fotografia, que diz gostar muito, e informática. Ele conta que parou de estudar para
tomar conta dos irmãos, especialmente o de 13 anos, que é deficiente.
– Fiquei três anos tomando conta deles. Não deixei internar ninguém e nem deixei meus irmãos passarem fome. Sou o homem mais velho da casa. Meu irmão me acha o pai dele e só vai ao colégio se eu o levar. Tenho que acordar às 6h da manhã todos os dias para levá-lo e esperar na porta até ele sair – conta.
Daniel estava à procura de emprego quando surgiu a oportunidade de fazer parte deste legado
social que será deixado pela copa de futebol, um projeto de uma empresa privada que tem, no Rio, consultoria e parceria do AfroReggae para a recriação do campeonato nas comunidades. O maior salário que já tinha recebido foi de 360,00. Com o novo emprego ele receberá R$ 618,00, mais ticket refeição e vale transporte. Ele disse que o dinheiro será todo usado para ajudar a mãe e, quem sabe, comprar um televisão nova.
– Minha mãe é viciada em novela, e meu irmão, quando teve crises, já quebrou três TVs. Ela é muito batalhadora, geral tem inveja dela, que sempre somou, correu atrás mesmo. Nunca tive vergonha de falar que ela já catou papelão na rua – lembra ele, orgulhoso.
Quem parece estar orgulhosa, agora, é a mãe dele, dona Cristina, de 41 anos.
– Ela reza muito – diz ele.
Perguntado sobre os sonhos ele diz:
– No futuro meu sonho é conhecer Ronaldinho Gaúcho. Vi ele de perto na Gávea quando foi se apresentar no Flamengo. Havia mais de 20 mil pessoas, todas com sede, mas eu só saí de lá quando eu o vi – lembra.
Daniel participou do Desafio da Paz e lembra:
– Deixei muita gente pra trás cheguei em 23minutos, entre os sessenta primeiros colocados,
corri pensando no prêmio para levar para casa, mas não levei – lamenta.
Fonte: OGLOBO