Depois de um hiato de 8 anos, o Morro da Providência acordou com um som extra dentro daquele barulho de cidade. Algo além do tintilar do VLT, ou do som dos freios do trilho da Supervia que chegam à Central do Brasil. Aquele famigerado cenário do despertar do Centro do Rio de Janeiro, aos olhos e ouvidos dos moradores do Morro da Providência, misturava um gosto de nostalgia para os mais velhos, com um toque de novidade para os mais novos: O teleférico, finalmente, voltou.
O Morro da Providência, com suas casas históricas e ruas de pedras tradicionais (algumas já asfaltadas) é a primeira favela do Brasil, o que não é novidade para muita gente. Mesmo sendo uma localidade tão antiga, cresceu tanto quanto a cidade. Dentro do progresso, a Providência viu as obras do teleférico iniciarem no ano de 2012. Como toda obra, teve a sua parada tradicional, mas finalmente, no dia 2 de julho de 2014, o transporte passou a funcionar de fato. Entretanto, dois anos depois, o transporte parou.
Atravessando promessas, anos eleitorais e administrações públicas, moradores da Providência já tinham perdido a esperança do funcionamento do transporte. Gôndolas, cabos de aço, estações de concreto e metal… Um gigante adormecido que fazia da primeira favela do Brasil, seu local eterno de descanso. Na visão de muitos, local de descaso. “Dinheiro jogado fora!”, acusavam. “Só para gringo ver!”, opinavam outros. Os anos passaram e a população se acostumou. Até que em 7 de abril de 2024, o gigante acordou.
A segunda-feira de 8 de abril serviu, de forma excepcional, de primeiro dia de teste de funcionamento do teleférico da Providência. Aquele teste valendo, sabe? E, de fato, valeu. Para quem chega ao pé do Morro da Providência, pela Central do Brasil, para chegar ao teleférico precisa estar alerta ao trânsito intenso e à campainha do VLT. Alguns passos entre algumas barracas de ambulantes e pronto. Você está dentro da estação do transporte. Dois lances de escada, com opção de elevador para pessoas com deficiência, damos de cara com o teleférico. Embora imponente, o transporte é quase silencioso. Quando nossa equipe visitou o local para a produção desta reportagem, o acesso às gôndolas era gratuito. As catracas, mesmo existentes, ainda não estavam em funcionamento. O teleférico, literalmente, está em movimento pleno. Nas estações, as gôndolas abrem as portas em uma velocidade que permite o fácil acesso, mas os fiscais e assistentes que trabalham lá, alertam para o cuidado ao ingressar na gôndola. A porta se fecha e pronto. A face do Morro da Providência virada para a capital carioca cresce abaixo dos seus pés, revelando aquela paisagem de um Rio de Janeiro de documentário. As tendas dos comerciantes dão lugares aos telhados de zinco e amianto da favela, as pessoas, de repente, parecem formigas. O Pão de Açúcar e o relógio da Central do Brasil entram em fila na visão de quem está sentado virado para a cidade.
A viagem até a segunda estação, intitulada Américo Brum, leva menos de 60 segundos. O tempo é o mesmo da segunda à terceira, e última estação da Gamboa, que deixa para o lado da Zona Portuária do Rio e, também, onde fica a Clínica da Família Nélio de Oliveira. É lá na estação Gamboa que encontramos Sebastião Amaral, 70 anos, aposentado e que saía da unidade de saúde após tomar a vacina da dengue. Sobre a volta do teleférico, Seu Sebastião é direto. “Pros véio é bom, né? Que nem eu assim. Quem agradece mais é o joelho, que não precisa mais subir em ônibus pra vir até aqui no posto. Que bom que voltou!”, disse ele que mora na região da Central do Brasil. Antes mesmo de falar o seu nome, a Dona Neusinda de Oliveira, dona de casa, também moradora da Providência, teceu elogios à volta do teleférico. “Uma maravilha! Nasci aqui, cresci aqui, vi o teleférico parar e, que bom que eu vi o teleférico voltar!”, respondeu quase cantarolando.
Também moradora do Morro da Providência, a Maria Angela dos Santos, de 58 anos, estava indo andar pela primeira vez naquele dia. Saiu de casa antes das 8h, horário de abertura do transporte, mas para voltar para casa, aproveitou a viagem e fez fotos no deslocamento. “Muito bom! Maravilhoso! Rapidinho estou na minha casa que é bem aqui na segunda estação”, apontou ela enquanto a gôndola chegava, “É uma bênção que a gente tem! Oito anos parado! É muito bom para quem tem mais idade e não precisa ficar subindo e descendo o morro toda hora!”, disse ela animada.
Foto: Uendell Vinícius / Voz das Comunidades
Mayara Bruno da Silva trazia o filho da escola. Ela também desceu no Morro da Providência e também agradeceu a volta do funcionamento do teleférico no Complexo do Alemão. “A gente mora aqui e só de não precisar encarar escada, né? É uma baita ajuda pra gente e também para as crianças que vão para a escola.” A moradora detalha que a falta de transporte público no Morro da Providência atrapalha muito os moradores. E o serviço de mototáxi, muitas vezes, não é suficiente. Mas com a volta do teleférico… “É mais uma opção de transporte, rápida e acessível. Eu espero que mantenha, né? O funcionamento é importante para todos nós, não só moradores, como também a comunidade. As pessoas pegam o Morro da Providência como um lugar perigoso porque não conhecem o morro. Espero demais que o funcionamento mude essa percepção que tenhamos mais turistas aqui.”
A opinião de Mayara vai ao encontro da Dona Jura, dona do Bar que fica na estação. Com a panela no fogo, a empreendedora de longa data do bar tradicional do Morro da Providência parou para falar com a nossa equipe. “Eu cheguei aqui 8h da manhã. Quando eu abri, já tinha cliente! Até sexta-feira, isso aqui vai tá lotado. Eu vou ter que trazer uma panela maior e já contratei um rapaz para me ajudar aqui na cozinha.”
Foto: Uendell Vinicius / Voz das Comunidades
Foto: Uendell Vinicius / Voz das Comunidades
O teleférico funciona de terças às sextas-feiras, de 8h até 12h. Nos sábados, das 8h às 11h da manhã. Tem que ficar bem ligado nesse primeiro horário de funcionamento e, como o próprio senhor Eduardo Amorim, de 69 anos, alerta, “não façam que nem eu!”, respondeu rindo. Acompanhado da esposa, Seu Eduardo chegou na estação da Central do Brasil depois que o teleférico já tinha encerrado o dia. “Eu cheguei pra me informar, mas se tivesse aberto, já tinha subido pra andar”, ressaltou dando risada.
Foto: Uendell Vinícius / Voz das Comunidades
O horário ainda não é o ideal para alegrar a todos. Mas para quem esperou 8 anos pelo retorno de um transporte facilitador e que se tornou essencial para os moradores do Morro da Providência, precisa ser que nem Seu Eduardo finaliza. “Não pode parar!”