Nesta semana de retorno do Poder Judiciário, nos dias 5 e 6 de fevereiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, conhecida como ADPF das Favelas. Protocolada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), esta ação visa contestar o elevado índice de letalidade das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro. Desde sua implementação, a ADPF 635 tem sido um instrumento crucial na promoção de medidas destinadas a diminuir os efeitos da violência estatal sobre os moradores dessas localidades.
Apesar da vigência da ADPF 635, as operações policiais no Rio de Janeiro mantêm-se em ritmo intenso. Dados do Ministério Público indicam que, de junho de 2020 a janeiro de 2025, foram registradas aproximadamente 4.600 operações policiais no estado, correspondendo a uma média de três por dia. Embora as diretrizes estabelecidas pelo STF tenham contribuído para uma redução no número de mortes decorrentes dessas operações — de 1.814 em 2019 para 871 em 2023 —, o índice de letalidade permanece preocupante.
A necessidade de manter e fortalecer a ADPF 635 torna-se evidente diante desse cenário. O ministro relator, Edson Fachin, enfatizou a importância de medidas que assegurem transparência e controle nas operações policiais. Entre as principais determinações estão:
- Implementação de câmeras corporais nos uniformes dos policiais e nas viaturas;
- Divulgação detalhada de dados sobre mortes ocorridas em operações;
- Preservação de vestígios de crimes para evitar remoções indevidas de cadáveres e descarte de provas;
- Proibição de operações em áreas próximas a escolas e hospitais.
Fachin também destacou que o uso da força deve obedecer aos princípios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme estabelecido na Lei 13.060/2014. Além disso, ressaltou a necessidade de acompanhamento psicológico para policiais envolvidos em operações com mortes, regulamentação do uso de helicópteros apenas em casos de estrita necessidade e a obrigatoriedade da presença de ambulâncias durante as operações policiais.
O comprimento rigoroso dos protocolos estabelecidos pela ADPF é fundamental. Em 17 de janeiro de 2025, uma operação policial no Complexo da Maré resultou em intensos confrontos, incluindo o uso de helicópteros para disparos, cenário que se assemelhava a uma zona de guerra. Posteriormente, em 24 de janeiro, operações nos complexos do Alemão e da Penha provocaram momentos de terror para os moradores dessas áreas. No segundo dia de julgamento da ADPF, em 6 de fevereiro, outra operação policial ocorreu no conjunto de 15 favelas da Maré, impactando diretamente a vida dos residentes.
A ADPF das Favelas é uma ação que busca estabelecer protocolos e regras para reduzir as mortes durante as operações policiais no estado do Rio de Janeiro. Após o voto do ministro relator, Edson Fachin, o julgamento está previsto para ser retomado em três semanas, quando os demais ministros deverão apresentar seus votos. É fundamental que o direito à vida das pessoas seja respeitado e que o Governo do Rio de Janeiro compreenda que segurança pública não deve significar a retirada de direitos das populações que vivem em favelas.
A construção de uma política de segurança efetiva passa pelo respeito aos direitos humanos, pela redução da letalidade e pela implementação de estratégias que garantam a proteção de todos, sem discriminação ou violência desproporcional.
Flavinha Cândido
Moradora da Maré, Professora, Idealizadora da Página de Letramento Racial Favelado.