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O futuro negro nas mãos de um Estado branco

Segundo pesquisa, 77% dos alunos das escolas mais afetadas pela violência são negros
Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

Por: Thayná Alves para a Folha de S. Paulo

“Mãe, o que eu fiz? O blindado me deu um tiro. Eles não me viram com roupa e material da escola?”

Eu já havia lido essa frase em poucas palavras, mas ouvi-la ao telefone em uma entrevista é algo de que nunca vou me esquecer. Falava com Bruna da Silva, mãe de Marcos Vinicius, um estudante negro, de 14 anos, morto em 2018 a caminho da escola, em uma operação policial no conjunto de favelas da Maré, zona norte do Rio de Janeiro.

A operação aconteceu em horário de funcionamento escolar. Apenas em 2019, 74% das escolas do Rio foram decididas por pelo menos um tiroteio com a presença de agentes do Estado. É o que mostra a pesquisa “Tiros no Futuro”, do projeto “Drogas: quanto custar”, do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania).

Em uma parceria inédita com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e a plataforma Fogo Cruzado, o projeto teve acesso ao Sistema de Gestão Acadêmico, que aprendeu a traçar o perfil socioeconômico de dados do 5º ano do ensino fundamental, e o banco de dados do Fogo Cruzado com relatos de violência no entorno das escolas. Mapear a violência a partir de dados marca a originalidade dessas pesquisas.

A análise revela dois fundamentos da sociedade brasileira que tão bem sociais hoje: o racismo e as desigualdades. E como quando interligados, os fenômenos definem a intensidade da violência.

Marcos Vinícius da Silva
Marcos Vinícius da Silva
Foto: Reprodução

Eu me chamo Thayná Alves. Sou negra, jornalista e coordenadora de comunicação do projeto. Na data em que lançamos o estudo, 7 de fevereiro de 2022, a cruel realidade que narramos mostrou-se evidente na prática. No dia que marcava o retorno aulas presenciais, após dois anos de vigência da pandemia da Covid19, uma operação policial impediu que 27 escolas da zona oeste do Rio de Janeiro voltassem a funcionar.

Mais horário de operação das operações que ocorrerão morte no Estado do Rio de Janeiro em horário agendado. E quanto mais violento o entorno das escolas, mais negro e pobre é o seu perfil. A pesquisa mostra que 7% dos alunos das escolas mais decididas pela violência são negros. Ou seja, é a estrutura do racismo que legitima o terror e sua intensidade nas favelas e periferias.

E ser exposto a tamanha violência também significa aprender menos. Como a pesquisa mostra, os alunos do 5º ano do ensino fundamental tiveram uma perda de 64% do aprendizado esperado em língua portuguesa para o ano letivo. Em matemática a foi de todo o aprendizado que os alunos aprenderam nessa etapa de ensino.

Como mostramos na pesquisa, aniquilar é também uma forma de matar. A escolha política do Estado, justificada pela chamada guerra às drogas, é o que o filósofo e o professor camaronês, Achille Mbembe, definem como necropolítica. É a escolha por quem deve morrer e como. No Brasil, país forjado pelo racismo, ela tem cor e CEP.

Marcos Vinícius é também João Pedro, que já foi Ágatha Félix, que viria a ser Kathlen Romeu e seu bebê de três meses ainda no ventre. Todos mortos pela polícia no Rio de Janeiro.

Sendo a mulher negra, me sempre pensando sobre como projetar futuros possíveis quando constantemente lembrados somos-passados ​​anti-negro, sedimentado na supremacia branca e na aniquilação dos nossos corpos, subjetividades e do nosso. Esse é um exercício diário para nós que compreendemos uma interrupção como marca histórica nas nossas trajetórias.

A morte de Ágatha Félix
A morte de Ágatha Félix
Foto: Reprodução

O futuro para nós é uma narrativa em constante disputa, ainda que, enquanto pessoas negras, as forças de poder e dominação do Estado nos coloquem em um lugar constante não humano. Recordamos todos os dias como atualizações do tronco e do açoite perpetuadas pelas diferentes formas de controle dos nossos corpos. Marcos Vinícius é também João Pedro, que já foi Ágatha Félix, que viria a ser Kathlen Romeu e seu bebê de três meses ainda no ventre. Todos mortos pela polícia no Rio de Janeiro.

Pesquisas como “Tiros No Futuro” nos ajuda a refletir o quanto as políticas de segurança ainda perpetuam o genocídio do povo negro brasileiro, e também escancaram que a mesma escolha política que aperta o gatilho que futuro dispara ou o tiro que acerta pode construir um horizonte para nossas crianças e jovens.

A pergunta é: o dia em que a política de drogas mudar no Brasil e no mundo, qual será o álibi que o Estado vai usar para matar e prender pessoas negras?

Thayná Alves
Jornalista e coordenadora de comunicação do projeto Drogas: quanto proibir

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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