A história da violência nas favelas do Rio de Janeiro revela um ciclo de operações policiais marcadas pela letalidade, falta de transparência e, em muitos casos, pela ausência de responsabilização. Um exemplo emblemático dessa realidade é o caso de Agatha Félix, que expõe o custo humano de uma política de segurança pública baseada no confronto armado.
Em setembro de 2019, Ágatha Félix, de apenas 8 anos, foi baleada dentro de uma kombi enquanto voltava para casa com a mãe, na comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão. O tiro, disparado por um policial militar, ricocheteou em um poste antes de atingir a criança. O agente foi absolvido sob a alegação de que não teve intenção de matar, causando revolta entre familiares e moradores.
Assim como Ágatha, Eduardo de Jesus, de 10 anos, foi morto em abril de 2015 por um tiro de fuzil disparado por policiais da UPP do Alemão enquanto brincava com o celular na porta de casa. Apesar de testemunhas afirmarem que não houve confronto, o caso foi arquivado. Mas em 2024 o inquérito foi reaberto após mãe conseguir novas provas e testemunha.
Infelizmente, esses casos não são isolados. Nos últimos nove anos, o Instituto Fogo Cruzado registrou 1.083 tiroteios com vítimas no Complexo do Alemão. Apenas em 2025, nos primeiros 24 dias do ano, o Voz das Comunidades contabilizou nove feridos e seis mortos durante duas megaoperações policiais. Apesar de uma queda no número total de tiroteios nos últimos anos, a letalidade das operações permanece alarmante. Dados do Fogo Cruzado mostram que, entre 2023 e 2024, foram registrados 34 tiroteios na região, resultando em seis mortos e oito feridos.
Registro de tiroteios no Complexo do Alemão | |||
Ano | tiroteios | mortos | feridos |
2016 | 100 | 7 | 23 |
2017 | 170 | 12 | 33 |
2018 | 264 | 16 | 26 |
2019 | 275 | 27 | 26 |
2020 | 121 | 18 | 8 |
2021 | 82 | 1 | 10 |
2022 | 37 | 19 | 7 |
2023 | 18 | 3 | 2 |
2024 | 16 | 3 | 4 |
2025 | 15 | 3 | 4* |
*Dados atualizados até as 15 horas do dia 24/01/2025, ainda sem contabilizar os números finais da operação, que se estendeu por mais de 12 horas no Complexo do Alemão.
A violência que permeia essas ações policiais é devastadora para os moradores das comunidades. Na megaoperação do dia 24 de janeiro a localidade do Chuveirinho enfrentou mais de 1h40 minutos ininterruptos de tiroteios. As informações sobre a ação policial são possíveis apenas através de relatos, vídeos e fotos de moradores, uma que os policiais não utilizavam câmeras corporais, segundo apurado durante visita da Defensoria Pública do Estado.

Maria Irismar, moradora há 50 anos da região, viu sua casa ser atingida por diversos disparos que perfuraram janelas, paredes e destruíram aparelhos eletrônicos. Além do trauma emocionais, ela enfrenta prejuízos materiais e pretende abrir uma vaquinha para reconstruir o lar.


Wander Souza dos Santos, de 21 anos, foi baleado no ombro enquanto se preparava para uma entrevista de emprego na Fazendinha. Sua mãe, Natalúcia, descreveu o desespero ao perceber o que havia acontecido: “O tiro acertou o braço dele. Eu estava dormindo e acordei em pânico. Pegamos o carro às pressas para socorrer ele e descer a favela. Está um caos lá dentro”.
Na localidade de Nova Brasília, Jerônimo Gomes da Silva e sua família quase perderam a vida quando uma granada, lançada por um drone, explodiu em sua varanda. A explosão destruiu parte da casa, estilhaçou janelas e feriu sua esposa, Gabriele, com pedaços de vidro. Jerônimo relatou. “Eu quase morri aqui dentro de casa, arrebentou tudo”.
Já no Complexo da Penha, Carlos André Vasconcelos da Silva, de 35 anos, foi atingido por um tiro de fuzil nas costas enquanto tomava café próximo ao BRT da Penha. Ele estava indo para o trabalho. Jardineiro, Carlos era pai de duas crianças, ele teve seus planos interrompidos. Sua esposa Suelem Gomes da Silva e Silva, enfrenta uma suspeita de câncer de mama, “é sempre o morador e não fazem nada. Quem era para proteger, não protege”, desabafa. A Polícia militar informou ter instaurado um procedimento para apurar o caso.
Esses casos exemplificam a realidade enfrentada por moradores das favelas: operações policiais que frequentemente resultam em mortes de civis inocentes e deixam um rastro de destruição, traumas e impunidade. Após cada operação, o saldo é desolador: famílias enlutadas, bens destruídos e a sensação de que suas vidas são tratadas como descartáveis.
Para os moradores prejudicados por essas ações, existe a possibilidade de buscar reparação por meio de órgãos públicos. É fundamental que toda violação de diretos relacionado a violência estatal seja denunciada ao plantão do Ministério Público. O contato é (21) 2215-7003. Solicitar o protocolo de atendimento é essencial para acompanhar o andamento da solicitação.
As famílias das vítimas também podem entrar em contato com o Núcleo de Apoio as vítimas (NAV), o contato deve ser feito através do e-mail [email protected] ou pelo site www.mprj.mp.br/conheca-o-mprj/areas-de-atuacao/nucleos-de-atuacao/nucleo-de-apoio-as-vitimas. Denunciar é um passo crucial para exigir justiça e responsabilização.
*Fonte: Instituto Fogo Cruzado