Uma história mal contada pode gerar inúmeras interpretações erradas sobre um mesmo acontecimento. Quando se trata de fatos reais e históricos, priorizar a verdade e a ordem narrativa das situações deve ser uma prioridade. Há 22 anos, a Lei 10.639 torna obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas públicas e privadas do Brasil. A norma tem como objetivo valorizar a contribuição dessas população na construção da identidade do país. No entanto, são mais de duas décadas sem aplicação plena da lei.
Gabriela Santos tem 26 anos e é moradora do Jacarezinho. Se a Lei 10.639 fosse de fato aplicada, desde o ensino infantil, Gabriela teria noção da importância do povo negro e indígena na história do Brasil. No entanto, durante todo período escolar, ela nunca teve acesso a esse tipo de ensinamento. Os heróis e líderes destacados eram homens brancos colonizadores, que utilizavam da força de trabalho escravizada para se beneficiar.

“Se a lei fosse praticada, eu acho que os jovens despertariam mais. A história dos negros que lutaram pela liberdade, que fizeram revoluções, quase não é contada. Eu venho aprendendo essas coisas agora na faculdade. Porque perante a rede pública, ou até mesmo na rede privada, eu não aprendi nada sobre isso. Se os professores se empenhassem em contar a parte oculta da história, os jovens seriam mais letrados racialmente para debater com os brancos e ocupar espaços”, explica Gabriela.
Enquanto a maioria das escolas adiam a aplicação da Lei 10.639, o Pré-Vestibular Núcleo Educacional Popular Antirracista (NEPAN), antes NICA Jacarezinho, tem a educação antirracista como motor. Foi lá que Gabriela passou a enxergar o fator racial de uma outra maneira. O espaço atende moradores do Jacarezinho e Manguinhos que sonham com o ensino superior desde 2018. De acordo com a coordenadora pedagógica, Etel Oliveira, investir neste formato de ensino traz resultados transformadores na vida dos alunos.
A contribuição Africana e Indígena precisam ser aprendidas, compreendidas e difundidas em todos os níveis da educação brasileira. Entender a história contada para além dos livros, tal como espaços culturais, patrimônios históricos, imagens, estátuas, construções dignifica nossos antepassados e reorganiza a sociedade para combater o racismo. Articulamos desde a aula inaugural a proposta curricular do Nica como um espaço antirracista apresentando as parcerias e o comprometimento com a luta antirracista nos eixos de atuação, protagonizando o corpo docente e pedagógico que, em sua maioria, é negra e assumem uma outra experiência educacional a esses sujeitos que em sua educação básica não tiveram professores negros que pudesse servir de referência”, conta Etel
Vale ressaltar que a lei tem um objetivo multidisciplinar, ou seja, é dever de todas as matérias incluir o ensino afro-brasileiro e indígena. E não necessariamente apenas a disciplina de história. A norma é um passo para que as escolas sejam espaços mais diversos e respeitosos com alunos negros e indígenas. Além de ampliar a visão dos estudantes sobre as contribuições do povo negro na economia, política e cultura do Brasil. Enquanto o racismo permanecer em espaços de educação, o protagonismo negro e indígena nunca será ensinado.
O Voz das Comunidades entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação para entender quais as estratégias da Prefeitura para implementação da Lei. O órgão encaminhou um documento com ações encaminhadas pela Gerência de Relações Étnico-Raciais que visam a implementação da norma. Entre as entregas previstas estão projetos pedagógicos, jogos lúdicos e parcerias para garantir o ensino da história afro-brasileira e indígena nas escolas.