Na madrugada de 25 de abril, três jovens, dois deles negros, moradores do Morro do Tuiuti, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foram presos após uma briga com um taxista na Rua Ana Neri, próximo à comunidade da Mangueira. Carlos Daniel (23), Carlos Gabriel (21) e Nuno Alexandre (22) voltavam da Feira de São Cristóvão com duas amigas e, segundo relatos da família e do advogado de defesa, foram provocados pelo motorista, que os teria insultado sem motivo aparente.
De acordo com o relato de Maria Guia, mãe de Nuno Alexandre, o taxista teria provocado os jovens, em especial a Nuno, e, em seguida, retornado pela contramão para iniciar uma briga. “Eles foram deixar três colegas em casa, na região da Mangueira. Voltando para casa, por volta de 6h10, um taxista abriu a porta e tentou atropelar eles na calçada da Rua Ana Neri. Quando ele não conseguiu, os primos do meu filho, Carlos Daniel e Carlos Gabriel, foram em sua defesa”, conta.
Segundo o relato de Maria Guia, após a discussão, o taxista entrou de volta no carro e logo em seguida abordou uma viatura no Largo do Pedregulho. Ele alegou que os jovens poderiam estar ‘armados’ e que haviam roubado seu relógio. Mesmo sem encontrarem o item, foram levados à 11ª Delegacia de Polícia, em Bonsucesso. De acordo com ela, não houve corpo de delito.
No processo, Auto de Prisão em Flagrante, consta a informação de que, por volta de 06:50 horas, policiais militares em patrulhamento foram acionados pelo taxista, que informou ter sido assaltado por 3 indivíduos, após ser parado por um deles com um objeto na mão; segundo ele, parecia ser uma arma. A equipe logo realizou perseguição ininterrupta, na companhia da vítima, que identificou os jovens como os autores do roubo praticado.
À delegacia, Carlos Alexandre, pai dos irmãos Carlos Daniel e Carlos Gabriel, foi o primeiro membro da família a chegar. De acordo com ele, os três jovens tiveram seus direitos negligenciados no local. “Eu acompanhei todo o processo, desde a delegacia até a 10ª e 11ª DP em Bonsucesso. O que me surpreendeu foi que meus filhos não tiveram direito a depor. Não fizeram exame de corpo de delito. Não foram levados para o Instituto Médico Legal, como a suposta vítima foi”, explica.

Família ainda não teve contato com os jovens, após a prisão
Quase um mês após a prisão, os familiares ainda não puderam visitar os jovens. Segundo Maria Guia, mãe de Nuno, a burocracia impôs um processo demorado para obtenção das carteirinhas exigidas para visitas. “A gente vai fazer um mês que não vê nossos filhos. A gente não teve o direito da visita ainda. Existe uma espera de um mês para agendar, e mais um mês para pegar a carteirinha”, explicou. Até o momento, o único contato que os familiares tiveram foi por meio do advogado de defesa.
De acordo com Carlos Alexandre, os três jovens estariam física e emocionalmente abalados pela experiência da prisão. “Nunca vivenciaram isso. Estão em um lugar insalubre, passando por tudo isso. afirma Carlos, com firmeza. “Eles estão lá injustamente por causa da fala de um taxista, que também cometeu um crime ao dar falso testemunho.”

Os meninos também não tiveram direito a ligações, o que agrava a angústia das famílias. “É desumano”, diz Maria. Ela destaca que os filhos têm trajetória de trabalho e são bem conhecidos no bairro, onde conquistaram o respeito da comunidade. Carlos Daniel trabalha com eventos e entrega lanches à noite; Carlos Gabriel atua como motoboy e também ajuda na mesma lanchonete; e Nuno trabalha em uma empresa privada de saneamento e como segurança.
“São meninos alegres, extrovertidos, de boa família, com boa conduta. Sempre prestativos. Não têm passagem pela polícia. Meu filho Carlos Daniel é pai, e a filha dele está sofrendo com febre emocional por estar longe do pai, que ela nunca ficou tanto tempo sem ver. Tudo isso por conta de uma injustiça”, desabafa Maria.
Ela finaliza com um apelo: “Eles têm direito de viver, de sair, de curtir a vida. Não é porque são jovens da comunidade que são criminosos. A comunidade tem talentos. Meus filhos são prova disso”.
Advogado explica em que fase está o processo atualmente
De acordo com o advogado de defesa, Gilberto Santiago Lopes, o juiz responsável pelo processo já recebeu a denúncia do Ministério Público e notificou os réus para apresentar defesa prévia no prazo de 10 dias. “Apresentei a defesa no segundo dia após a notificação. Depois disso, o Ministério Público se manifestou novamente, e agora o processo está concluso com o juiz para que ele possa marcar a audiência”, explicou o defensor.
A expectativa da defesa é que a audiência seja o momento de apresentar provas e depoimentos que contestam a acusação de roubo feita pelo taxista. Segundo Gilberto, imagens e testemunhos indicam que os jovens apenas se defenderam de uma agressão, e que não houve assalto, uso de armas ou subtração de bens.
Vídeos da situação foram apresentados na 21º vara criminal pelo advogado, que solicitou a revogação da prisão, mas não foram aceitos porque, de acordo com Gilberto, foi dito que não comprovam nada e também a resolução não é boa.
“Já pedi a requisição das câmeras do posto de gasolina e solicitei a intimação de um funcionário que estava de plantão naquele dia. Também vou ao local para verificar se há mais câmeras nas redondezas. Estamos nessa luta”, afirmou.
NOTA DO TJRJ
Em nota, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) afirmou que os jovens passaram por uma audiência de custódia, e que o processo seguirá em trâmite na vara criminal.
“Os três foram presos em flagrante, em abril passado, por uma patrulha da PM, após a denúncia do taxista Alexandre Alves de que foi vítima de assalto e agredido pelos três rapazes, em Benfica. No dia 28 de abril, Carlos Daniel, Nuno Alexandre e Carlos Gabriel passaram por audiência de custódia, conforme arquivo anexo, e mantida a prisão. O processo foi distribuído para a 21ª Vara Criminal e a denúncia contra os acusados foi recebida no 18 de maio último, com a manutenção da prisão – em anexo. O processo continua em trâmite na vara criminal, que deverá marcar as audiências de instrução e julgamento.”
Também foi realizado contato com Polícia Civil, para esclarecer sobre as circunstâncias do ocorrido, mas, até o momento, não há respostas.