Em 2025, o Voz das Comunidades completa 20 anos. Em comemoração, esta é uma matéria especial: uma reedição de uma reportagem feita em 2022, que conta a luta de Rafaela França que utiliza o óleo de Cannabis no tratamento da filha autista.
Para além do amor, ser mãe exige muita disposição. Cuidar, educar e formar um ser-humano não é uma tarefa fácil. Como nenhuma experiência segue um padrão, existem recortes de maternidades que influenciam e mudam completamente os rumos deste processo de formação. Um exemplo disso é Rafaela França, mãe de três filhos. Entre eles, a Maria, de 6 anos, uma criança com transtorno de espectro autista.
Desde 2020, Rafaela França compartilha os desafios de ser uma mãe atípica e de favela com outras mulheres que têm uma vivência semelhante. A Maria, que hoje tem 6 anos, teve autismo regressivo e de um dia para o outro desaprendeu gestos simples como mandar um beijo. Logo, Rafaela entendeu que precisava de respostas rápidas.

De primeira, as recepções não foram nada acolhedoras. Em uma ida à Clínica da Família, ela ouviu que o problema da Maria poderia ser resolvido matriculando a menina da escola. Ou seja, uma profissional de saúde diminuiu a preocupação da mãe que sabia que havia algo de diferente na filha. A solução prescrita para o desenvolvimento da filha foi o uso de óleo de cannabis, substância extraída da maconha.
“A Maria foi diagnosticada no espectro autista na pandemia. A gente chega numa barreira que é bem impactante para um morador de favela que é prescrição da Cannabis, que é algo muito caro. Mais tratamento, mais consultas médicas. Daí a gente pede ajuda, lança um vídeo para que essas demandas e essas necessidades fossem supridas. Até que isso chega na galera do Voz, que faz uma matéria sobre quando o óleo da Maria chega na favela. Com isso, eu começo a receber muitas mensagens de mães e eu vejo que eu não estava tão prejudicada igual eu imaginava porque eu tive essa rede de apoio”, relembra Rafa.
Esse movimento de mães procurando a Rafaela fez surgir o Núcleo de Estimulação Estrela de Maria, o NEEM. O objetivo inicial era prosseguir com campanhas de arrecadação para que outras mães atípicas e de favela pudessem acessar o cannabis medicinal e outros benefícios relacionados à saúde de crianças com transtorno de espectro autista.
Hoje, o NEEM tem uma sede e atende mais de 400 mães, tendo um impacto em 160 favelas do estado. O espaço é uma central de acolhimento para todas as horas, além de oferecer doações de leite e outros mantimentos. Realiza mutirões neurológicos para crianças que nunca receberam o laudo e promove a distribuição de abafadores de ruído. Rafa ressalta que a atuação do NEEM é múltipla e a importância deste lugar ser reconhecido como uma casa.

As atividades são tantas que a casa, que é espaçosa, ficou pequena. Mas como um bom coração de mãe, sempre cabe mais um. Neste ano, o grande objetivo é conquistar uma sede maior e alcançar o cadastro no Banco de Alimentos do Ceasa. Assim, o projeto poderá pegar legumes e verduras semanalmente e oferecer para as mães. Esse seria um baita avanço, considerando a seletividade alimentar que atinge muitas pessoas com transtorno do espectro autista.
“A gente luta contra qualquer tipo de vulnerabilidade, inclusive a alimentar. Porque nossas crianças são acometidas de seletividade alimentar muitas das vezes. Só comem por cores. E quando a gente é pobre e não tem a cor que o filho come, ele não vai comer. Aí a gente entra com essa ajuda. Eu não posso ser hipócrita de falar o quanto é sofrido ter um filho com deficiência apenas, mas é muito mais sofrido ter um filho com deficiência dentro de um perímetro de favela, dentro de um perímetro que é abandonado pelo Estado. Então, o NEEM nasce dessas dores que a gente vem tentando suprir e tá cada vez mais difícil”, conta Rafaela.

O NEEM está aberto de segunda a sexta, das 10h às 16h. O espaço também está disponível para acolher mães atípicas que sofram com falta de água e luz ou que precisam resguardar seus filhos de operações policiais.