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Um papo relíquia com o Acme, grafiteiro e artista plástico do PPG

O papo relíquia de hoje é com o Acme, grafiteiro e artista plástico do PPG (Pavão Pavãozinho e Cantagalo), pega a fita!

Seu nome verdadeiro, idade, onde nasceu e cresceu meu mano?

Carlos Esquivel Gomes da Silva, 37 anos, parto caseiro, cria do morro do Pavão na área do Vietnã.

Acme, quando foi seu primeiro contato com a arte mano?

Eu desenho desde criança, sempre fui muito isolado, boa parte da minha infância foi na casa da minha avó, que era uma pessoa rude e não deixava eu jogar bola ou soltar pipa como os outros, então minha fuga foi as histórias em quadrinhos e seriados japoneses, tipo Lion Man, Jiraiya, Jaspion. Então eu ficava reproduzindo o que eu via.

Desde quando você está de mãos dadas com o grafite?

Foi depois da pichação, comecei a pichar em 93, e 96 me alistei no exército, aí comecei a fazer o grafite influenciado pelo skate. Nesse período do pichação também fui skatista, e os vídeos de sk8 sempre tinham grafite, aí comecei na pista do Arpoador, em 97 o binho de SP veio no rio e fez um grafite bem onde comecei, que foi na pista do Arpoador e isso me empolgou mais ainda.

De onde viam suas inspirações?

Minhas inspirações iniciais foram os quadrinhos do homem aranha e depois comecei a estudar grandes mestres, desde a técnica até a trajetória de artistas como: Picasso, Dalí e Monet. No grafite a primeira vista foi o Daze de Nova York, pelo fato de eu ter uma única revista que tinha uma página especial de grafite, aí eu tive minha referência de arte na rua.

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Ficou quanto tempo no exército? Por que você parou de pichar?

Fiquei 6 anos no exército e pelo menos 4 eu ainda andava de sk8 e pichava, até tomar um pau sinistro da Polícia Civil que me fez parar com a pichação e ser só grafiteiro.

Existe algum atalho pra quem está começando no grafite?

Sim, hoje está muito fácil se tornar um artista, você tem a internet a seu favor que te dá toda a informação e referência que precisar, e também a divulgação, até a polícia te vê pintando na rua e elogia o trampo, mas quando comecei fui muito hostilizado e até espancado, mesmo pintando uma coisa bonita. Na minha época não exista atalho. Você pode até pegar um atalho na internet mas é na rua que se define os verdadeiros.

Qual foi o melhor momento profissional? E qual é a melhor parte de ser Grafiteiro?

O melhor momento profissional foi em 2011 na França, onde fui convidado para o Art Paris. Fiquei 1 mês lá só aprendendo e produzindo,sem as responsabilidades cotidianas que tenho aqui no brasil. Porque também eu ia voltar com um dinheiro pois as contas aqui no brasil não param. A melhor parte de ser grafiteiro é pintar, sair por aí numa tarde tranquila escolher uma parede e largar a tinta.

O que torna o seu grafite diferente e não semelhante aos outros?

A diferença do meu grafite é tentar me destacar de várias formas, primeiro pelo estilo de desenho, segundo pelos conceitos e símbolos usados, cores, e principalmente quando eu pinto em um painel coletivo, eu nunca pinto só a minha parte, sempre interajo com os outros, sendo superior ou inferior a mim tecnicamente. Eu sempre vejo um painel coletivo como uma tela completa aonde tudo deve estar em harmonia, por isso sou sempre o último a ir embora nessas pinturas. Porque acima da técnica e da fama está a sua atitude no grafite, a mídia pode iludir a todos mas a essência do bagulho a gente vê legal é nos muros.

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Como você definiria o grafite? Qual a importância dessa arte para a juventude ?

É a expressão mais sutil da liberdade. A importância dessa arte para a juventude é o convívio com os outros artistas, que são grafiteiros, e estão sempre antenados, uns no universo a sua volta outros em um panorama mais amplo. E o jovem deve ocupar a sua mente, nesse momento de ostentação sexual e capitalista que estamos. O grafite faz vc observar mais o mundo à sua volta,pra entender e também se fazer entendido.

Que papo você daria para os jovens que querem usar o grafite como arte num discurso com propósito?

O papo que eu daria para quem quer usar o grafite como propósito, é estudar bastante para não se precipitar, pois as palavras não voltam vazias e nem as pinturas.

Qual é a técnica que mais lhe agrada e se encaixa com seu tipo de trabalho?

Eu me dou muito bem com a técnica do spray, mas exploro outras, tipo: carvão, bico de pena, pincéis, pintura a dedo… Hoje estou ouvindo coisas do tipo “você está em um momento pós grafite”, pois trabalho com solda e madeira, faço esculturas com reaproveitamento de matéria prima que acho nos lixos dos bairros luxuosos, construo mobiliários urbanos e isso é uma intervenção com conceito de grafite pois tem história. E isso são técnicas, pois cada técnica tem seu momento especial. Nunca consegui ficar só em uma. A arte é um abismo de conhecimento e um abismo chama outro.

Aonde e qual foi a oportunidade que a arte do seu grafite lhe trouxe mais satisfação,em que viu que seu trabalho estava sendo realmente reconhecido?

Me senti assim na Bienal de São Paulo, que rolou no MUBE à convite do binho, tive um bom espaço pra criar, estrutura. Logo depois veio o convite pra várias galerias de São Paulo.

Quais foram seus trabalhos que teve maior destaque?

Em 2005, quando fui convidado para representar o ano do brasil na França no evento da Montana (marca de tinta) junto com o Ema, ficamos em segundo lugar diante de caras que eu só via em revistas. Em 2009 fundei o Museu de Favela aqui na minha comunidade com outros moradores, fui presidente por 2 anos. Fundei também o circuito das Casas-tela que vai do Cantagalo, passa pelo Pavão e termina no Pavãozinho, contando a história das três comunidades. Chefiei a equipe da primeira copa grafite em Thomaz Coelho, no qual fomos vencedores, competimos com 10 equipes e ficamos em primeiro lugar,depois fiz a curadoria do GaleRio e a produção, e curadoria das esculturas urbanas.

O grafite tem lhe proporcionado oportunidades profissionais? O que é mais responsa no desenvolvimento de todos os seus trabalhos?

Com certeza, sou convidado para realizar performances e shows, já contracenei clipes e filmes, history boards, cenas, cenografias para novelas e comerciais. Atualmente faço uma vez por mês a performance na roda cultural do recreio, e essas telas vão se tornar uma grande exposição junto com a roda. Também vou fazer a cenografia e contracenar algumas cenas do filme abracadabra de Marcus Forster. O mais responsa no meu trabalho é estar criando, porque tem momentos em que estamos reproduzindo, outros que estamos executando pelo gosto do cliente e muitas vezes tive que dissimular meu estilo para ganhar dinheiro, aí vagabundo diz que me vendi, mas só quem mora comigo que sabe como é difícil viver da arte.

Tem como citar alguns clipes e filmes?

Fiz um comercial da Nike, fiz pro filme era uma vez, clipe da Alcione, comercial da Coca Cola, contracenei um pra vivo, e inúmeros documentários,mas tem um que faço questão de citar Welcome To Rio.

Já passou alguma dificuldade como Grafiteiro?

Sim,quando perdi minha mãe no início de dezembro com câncer. Não tinha dinheiro nem pra fazer o enterro. Fiz até alguns “serviços” no morro, mas estou tentando outras formas de vender a arte pra não arruinar tudo, pois tenho 2 filhos e uma família feliz.

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O que você acha que um grafiteiro precisa ter pra ter sucesso nesse meio? que lugares viajou a trabalho mano?

Para ter sucesso passageiro,basta criar um estilo e pintar a merda toda, logo receberá convites de trabalho e será famoso, mas sucesso de verdade não tem muito a ver com fama, existe um caminho muito estreito que deve ser percorrido para ter sucesso de verdade e não ser só um personagem. Já viajei pra alguns lugares: Espanha, Argentina, 2 vezes pra França, Equador, Bahia, Porto Alegre, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais e Espírito Santo.

Você já foi alvo de preconceito e racismo no grafite? Já viu algum amigo seu ser? O que acha do preconceito e racismo?

Em certos momentos, e em certos lugares por ser favelado, por ser pobre demais para os ricos ou por ser rico demais para os pobres, por ser branco demais para os negros ou pardo demais para os brancos, enfim acho que a sociedade sempre vai ser hipócrita e as pessoas estão pouco se importando para o que eles estão construindo. Acho que pra acabar com isso, tem que acabar com os grupos e nivelar o bagulho todo, tem branco sendo discriminado e negro também. Não nasci negro, mas sou filho de índio e nasci pobre, já é o suficiente pra dar merda. Jesus oferece a outra face, olho por olho e dente por dente o mundo acaba cego e banguela. Se eu quiser me vingar do colonizador francês vou ficar atrasado, porque eles que são primeiro mundo. A melhor coisa a fazer é aprender com eles como se faz um país de terceira virar um país de primeira.

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Você teve que passar por algum obstáculo até chegar a ser um artista conhecido? O grafite pode ser uma boa oportunidade na fusão arte-educação?

já passei por muitos obstáculos meu mano, e ainda passo, como sonho com isso desde criança. Lembro como se fosse ontem morando em Matogrosso do Sul, com 10 anos vendendo picolé ficava em frente a uma academia de Kung Fu copiando os desenhos que estampavam as paredes que davam para a calçada, tinha o Bruce Lee com um dragão de fundo e eu ficava lá com meu caderno em cima do isopor copiando. Mais tarde, 8 anos depois eu estava fazendo o mesmo com uma prancheta de folhas sobre um fuzil cruzado reproduzindo visuais no quartel durante 6 anos. O grafite com certeza é uma boa oportunidade na fusão arte-educação. Você deve ser humilde e educado e tem várias formas para evoluir nisso, pois tem várias formas de profissão que o grafite faz você evoluir pelo fato de viciar você em desenho, aí você pode até chegar a ser um desenhista industrial. Montar uma estamparia, ser um retratista, ou até mesmo artesão, penso sempre na arte educação e profissão, ser artista vem depois de muito trabalho. Conheço caras que aprenderam a escrever por causa da pichação,e pichador que hoje é engenheiro civil, grafiteiros, tatuadores, advogados e etc.

Já teve envolvimento com o tráfico de drogas?

Sim, quando dei baixa, trabalhei com manutenção de armas em várias favelas do Rio e Niterói. Até conseguir estabilidade que sempre oscila de uma hora pra outra, de acordo com as crises, porque arte é um luxo e em momentos de crise as pessoas pensam,”vou comprar uma pintura ou fazer compras no mercado”.

Você tem algum envolvimento com projeto social e envolvimento em alguma militância?

Sim, pois o que me tirou do inferno que eu vivia foram as oficinas,mas não entrei como aluno, entrei como professor nas oficinas do CIC, na fundição progresso substituindo o Fabio Ema enquanto estava em turnê com O Rappa pelo mundo. Dei aula em muitos projetos: Mac de Niterói,no morro do palácio, casa do menor São Miguel Arcanjo, talentos da vez, o próprio Museu de Favela. Atualmente estou fundando há 4 anos o Ninho das Águias, que começou com uma comissão pelo direito a moradia por conta da pressão da SMH, e hoje é onde está meu ateliê escola em construção. Também estou construindo uma praça pública para atividades culturais,porque aqui no Vietnã não tem espaço público. Consigo isso com a visibilidade artística, consigo doações,conecto pessoas… faço intercâmbio, tento observar nas pessoas aquilo que falta na minha estrutura, para juntos conseguirmos objetivos maiores.

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Eu vi numa matéria que você passou por alguns momentos difíceis e se converteu ao cristianismo, me fale um pouco sobre esse momento?

Foram uns 5 anos de caminhada, com o envolvimento no tráfico eu fiquei viciado em várias paradas pesadas, cocaína, crack e maconha. Eu sempre tive muito e começou a afetar meu sistema nervoso de um jeito que eu não tinha mais paciência de aturar o mercado de trabalho, nem pra fazer um desenho,fiquei muito acelerado e não conseguia mais ficar um dia sem usar. Aí tinha uma igreja do lado da minha casa; fui lá e chorei aos pés do pastor pedindo oração, ele me incentivou a caminhar, mas só consegui firmar o pé mesmo quando casei com minha esposa que também estava no mesmo objetivo, então surgiu uma viagem para Joinville para participar de um evento de hip hop, aí viajei com o Marcelo Eco e fui com ele na igreja lá, aí aceitei a Jesus lá.

Confiram abaixo o Acme falando do vídeo:

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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