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Realidade Virtual

Não posso falar por todas as crianças, mas posso, com muita segurança, falar por minha afilhada: para ela, nenhum brinquedo é mais interessante que um tablet. Hoje, com um ano e meio de idade, ela passa praticamente todo o seu tempo de brincadeiras imersa no mundo virtual. Bem antes de completar o primeiro ano de vida, ela já navegava entre os aplicativos infantis e escolhia qual jogo ou qual vídeo queria acessar.

Eu já desisti de disputar a atenção da Rafaela com o aparelhinho. Já me conformei com o fato de que minha presença se torna muito menos interessante agora que ela tem o mundo digital na ponta dos dedos. Muitos parentes reclamam e criticam, dizem que ela passa tempo demais no tablet e que não era assim que deveria ser. Na realidade, Rafaela está apenas prenunciando o futuro. Os adultos são naturalmente mais preconceituosos e menos dispostos a experimentação que as crianças; desse modo, é comum escutar alguém falando que “na minha infância eu brincava na rua”, ou que “brincadeira de criança é pular corda”. As crianças dessa década, sem preconceito e nem pudor, deixam bem claro que o mundo material está ultrapassado: elas demonstram, com muito entusiasmo, que o que é realmente interessante é o universo virtual.

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Carrinhos, bonecas, quebra-cabeças, nada disso atrais mais a criançada como antes. Aliás, é inclusive comum que, de tão desnorteada quanto ao significado material das coisas, a criança, ao receber o presente, descarte o conteúdo e brinque com a embalagem. Aquele plástico colorido moldado em forma de carrinho não tem mais o apelo de antes, e talvez nunca volte a ter. O que é cool para a geração nova é o impalpável. E com muita propriedade. As bonecas param de fazer sentido quando, num joguinho digital móvel, qualquer um pode fazer a boneca que quiser, quando quiser e como quiser. E ainda, quando enjoar da boneca, trocar de brincadeira sem nem sair do lugar.

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A chegada do Pokémon GO é o sinal definitivo de que não só a realidade virtual veio para ficar, como também que ela se mistura perfeitamente ao mundo real. O jogo, que acaba de chegar ao Brasil, tem levado milhões de pessoas a sair de suas cadeiras e ir caçar monstrinhos no mundo lá fora. O mundo virtual, quem diria, está literalmente tirando as pessoas de casa, dada a intensidade de seu estímulo. Pessoas se encontram e se conhecem nas ruas caçando Pokémon. Gente que era sedentária está calçando tênis e percorrendo ruas e ruas em busca de mais monstrinhos. O jogo ainda leva pessoas a conhecerem e frequentarem vizinhanças antes desconhecidas por muitos usuários, em busca dos serezinhos virtuais. E, além de ser universal e de cativar todas as faixas etárias, Pokémon GO ainda é democrático –para jogar, basta ter um smartphone. É o mundo virtual mostrando a que veio.

Rafaela já percebia, junto com as crianças de sua geração, que o mundo virtual pode ser muito mais interessante que a realidade. Pokémon GO veio evidenciar esse fato para todos. Agora, não existe mais o real e o virtual. Os dois mundos caminham juntos, na realidade virtual: um ambiente que mistura os dois universos com perfeição cada vez maior. Esse é o futuro, e minha afilhada estava certa.

AUTOR

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EDITORIAS

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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