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Não se fazem mais artistas como Cauby Peixoto

Minha mãe tinha apenas 3 anos quando, em 1956, Cauby Peixoto gravava “Conceição”, possivelmente o maior sucesso de sua carreira. Difícil hierarquizar sucessos numa carreira tão estrelada, com discos contados às centenas e com renome que saiu do Brasil e rodou o mundo.

Em março desse ano, tive a honra de poder aplaudir esse ícone numa de suas últimas apresentações, no Teatro Bradesco, em São Paulo. Aos 21 anos, eu era absolutamente extemporâneo em meio aos cabelos brancos que lotavam a sala. O entusiasmo por estarmos todos prestes a assistir ao espetáculo do maior cantor brasileiro de todos os tempos igualava nossas idades.

As cortinas se abrem, e surge Cauby, bem sentado numa poltrona vermelha, vestindo uma de suas inconfundíveis roupas reluzentes. A elegância de sempre. A fraqueza das pernas, que o impediam de se apresentar de pé, não atingira a voz, potente como sempre foi. Ele não escondia no brilho dos olhos o entusiasmo por estar diante de mais uma plateia lotada, dentre tantas para as quais certamente se apresentou nos últimos 60 anos.

60 anos de carreira de um ídolo que cantou ao lado de Nat King Cole e brilhou em festivais de música na Itália carregam lembranças demais para uma mente de 85 anos: às vezes a memória fraquejava. E era impressionante como, na energia do público, ele encontrava forças para continuar. Os aplausos entusiasmados faziam com que ele resgatasse, do fundo da sua consciência, as palavras certas das canções certas. E sua voz brilhava.

Particularmente emocionante foi quando ele, igualmente emocionado, agradeceu ao público por aquele momento. O respeito pelo público não diminuiu com o passar dos anos. Hoje em dia, artistas jovens faltam apresentações porque beberam demais, destratam a plateia porque estão de mau humor ou cantam por quinze minutos que sejam e vão embora, por simplesmente não estarem com vontade. Cauby não conheceu nada disso. Ele só cantava sentado porque, eu tenho certeza, era a única maneira por meio da qual ele conseguia continuar cantando, que era o que ele amava fazer. Para ele, o privilégio de estar acompanhado de uma multidão de entusiastas nunca o parou de impressionar. O respeito que se via na maneira como se vestia, nas palavras, e na seriedade para com a arte o tornavam único.

Impressionou-me, ainda, a coragem, pertencente apenas aos grandes, de se deixar sair da zona de conforto, na metade final de uma carreira estrondosa, para se apresentar novamente ao mundo numa condição tão mais frágil. Coragem que se traduz em amor pelo que se faz.

Após aplaudi-lo de pé, cheio das memórias inesquecíveis que ficariam daquelas quase duas horas de apresentação, saí do teatro com a impressão de que Cauby de algum modo sentia que o fim estava próximo, e empenhava toda a sua energia em entregar àquele público o máximo que podia, como sua despedida grata e carinhosa. E saí também com uma certeza: não se fazem mais artistas como Cauby Peixoto. Lendário, eterno e inesquecível.

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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