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A letra fria e a alma vazia

Quero que fique registrado que no dia 23 de Maio de 2016 uma menina foi estuprada por trinta e três homens. Quero que daqui uns anos alguém vasculhe a internet, ache essa notícia e sinta o estômago embrulhando. Quero que fique registrado, ainda, a perversidade com que as pessoas trataram o caso. Quero que nossos netos e bisnetos tenham vergonha dessa data e vergonha dessa nossa sociedade.

Uma garota foi estuprada por trinta e três homens, mas as pessoas conseguiram culpá-la, isentaram os criminosos, responsabilizaram a vítima. Um crime bárbaro, medieval, desumano, atroz… e relativizado.

Uma situação em que trinta e três – e eu vou sempre repetir isso – homens forçam sexo com uma menina deveria ser caso unânime de indignação. O normal seria a sociedade inteira se revoltar, se assustar, ter compaixão pela vítima. Deveria ter sido uma semana de tristeza nacional!

Mas não… Se ela estivesse em casa… Se ela fosse de família… Ela não era nenhuma santa… Ela não se valorizava… Ela era drogada… Andava com marginal… Frequentava baile funk…


Como se isso justificasse um crime, como se o comportamento e as escolhas individuais dela, ou os lugares que ela frequentava, a responsabilizassem por isso. Como se ela buscasse por isso… Como se alguém buscasse ser violado…

Se a lei, que nada sente, que nada sofre, que nada goza, que é incolor, insípida e inodora, condena tal perversidade com a mais pura frieza de sua letra, então como pode um ser humano, com sangue correndo nas veias, culpar uma menina de ser vítima de estupro por trinta e três homens?
A letra da lei é fria, mas a alma de vocês…
A alma de vocês é cruel e vazia.

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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