Guerreiras ou sobrecarregadas? Como a necessidade de trabalhar chega para mulheres negras

Marli tem 60 anos, mas começou a trabalhar com 8 anos de idade. Cerca 62% da população que está no trabalho informal é negra.
Marli trabalha desde os oito anos de idade. Foto: Nathália da SIlva

Se no passado mulheres brancas se mobilizaram para ter direito ao trabalho, é valido ressaltar que essa nunca foi uma realidade para mulheres negras. No nosso mundo, o trabalho sempre foi uma obrigação, desde os tempos da escravidão. Com a abolição, se tornou uma necessidade ainda maior. Deste modo, a forma que a pessoas negras são distribuídas no meio profissional ainda tem influência do período colonial.

Foi assim com Marli Costa, cria do Complexo do Alemão. Hoje, Marli tem 60 anos, mas começou a trabalhar com 8 anos de idade. Como não tinha altura para alcançar a pia, a patroa colocava um caixote para ela arear as panelas. Ela trabalhou por muitos anos de carteira assinada, mas atualmente é autônoma e vende um dos melhores cuscuz do CPX.

Marli circula pelo Complexo do Alemão vendendo cuscuz. Foto: Nathália da Silva

A decisão da Marli não é um caso isolado. Cerca 62% da população que está no trabalho informal é negra. O Rio de Janeiro tem segunda cesta básica mais cara do Brasil, custando R$814,90, de acordo com o Dieese. Ou seja, mais da metade do salário mínimo. Assim, trabalhar por conta própria acaba sendo mais vantajoso. Marli acredita que para sobreviver e ter uma vida de qualidade o ideal seria um salário de, em média, R$ 3.000.

“O mínimo que eu acho que seria justo é uns três salários. Já trabalhei muito longe. Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Sepetiba, Conheço quase o Rio de Janeiro todo e já tive várias profissões. E já sofri vários racismo nesses empregos”, relembra Marli.

A desigualdade racial também é uma questão quando falamos de salário. Em 21 dos 22 municípios da região metropolitana brancos ganham mais que negros. A diferença de remuneração salarial média é maior nos municípios de Japeri e Rio de Janeiro, onde brancos ganham R$ 1 mil e R$ 2 mil a mais, respectivamente, de acordo com o Mapa da Desigualdade, da Casa Fluminense.

Para além valores, pessoas também enfrentam um comportamentos. Durante muitos anos, Marli foi chefe de cozinha. Em um dos dias de trabalho, faltou carne e ela precisou ir no açougue comprar filé mignon. Ao chegar no estabelecimento uniformizada, o rapaz se negou a vender a carne para ela e verbalizou que ela não teria dinheiro para comprar carne de primeira. Marli foi acompanhada pelo segurança até o caixa.

Por esses e outros episódios, Marli acredita que pessoas negras devem ter acesso a melhores condições de trabalho. “Eu fiquei calada. Perdi na vida. Poderia ter aberto uma ação contra o mercado. Ele só foi transferido porque destratou o gerente. Me pediram desculpa e eu fui trabalhar. Melhoria para os trabalhadores é o respeito com cor negra. O racismo continua a cada dia. A gente sofre racismo, sofre preconceito, por cor, por idade. Hoje rodo todo Complexo do Alemão com meu tabuleiro de cuscuz que é feito com muito carinho”.

Ato pelo Fim da Escala 6×1 no Centro do Rio Foto: Uendell Vinicius / Voz das Comunidades

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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