Se no passado mulheres brancas se mobilizaram para ter direito ao trabalho, é valido ressaltar que essa nunca foi uma realidade para mulheres negras. No nosso mundo, o trabalho sempre foi uma obrigação, desde os tempos da escravidão. Com a abolição, se tornou uma necessidade ainda maior. Deste modo, a forma que a pessoas negras são distribuídas no meio profissional ainda tem influência do período colonial.
Foi assim com Marli Costa, cria do Complexo do Alemão. Hoje, Marli tem 60 anos, mas começou a trabalhar com 8 anos de idade. Como não tinha altura para alcançar a pia, a patroa colocava um caixote para ela arear as panelas. Ela trabalhou por muitos anos de carteira assinada, mas atualmente é autônoma e vende um dos melhores cuscuz do CPX.

A decisão da Marli não é um caso isolado. Cerca 62% da população que está no trabalho informal é negra. O Rio de Janeiro tem segunda cesta básica mais cara do Brasil, custando R$814,90, de acordo com o Dieese. Ou seja, mais da metade do salário mínimo. Assim, trabalhar por conta própria acaba sendo mais vantajoso. Marli acredita que para sobreviver e ter uma vida de qualidade o ideal seria um salário de, em média, R$ 3.000.
“O mínimo que eu acho que seria justo é uns três salários. Já trabalhei muito longe. Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Sepetiba, Conheço quase o Rio de Janeiro todo e já tive várias profissões. E já sofri vários racismo nesses empregos”, relembra Marli.
A desigualdade racial também é uma questão quando falamos de salário. Em 21 dos 22 municípios da região metropolitana brancos ganham mais que negros. A diferença de remuneração salarial média é maior nos municípios de Japeri e Rio de Janeiro, onde brancos ganham R$ 1 mil e R$ 2 mil a mais, respectivamente, de acordo com o Mapa da Desigualdade, da Casa Fluminense.
Para além valores, pessoas também enfrentam um comportamentos. Durante muitos anos, Marli foi chefe de cozinha. Em um dos dias de trabalho, faltou carne e ela precisou ir no açougue comprar filé mignon. Ao chegar no estabelecimento uniformizada, o rapaz se negou a vender a carne para ela e verbalizou que ela não teria dinheiro para comprar carne de primeira. Marli foi acompanhada pelo segurança até o caixa.
Por esses e outros episódios, Marli acredita que pessoas negras devem ter acesso a melhores condições de trabalho. “Eu fiquei calada. Perdi na vida. Poderia ter aberto uma ação contra o mercado. Ele só foi transferido porque destratou o gerente. Me pediram desculpa e eu fui trabalhar. Melhoria para os trabalhadores é o respeito com cor negra. O racismo continua a cada dia. A gente sofre racismo, sofre preconceito, por cor, por idade. Hoje rodo todo Complexo do Alemão com meu tabuleiro de cuscuz que é feito com muito carinho”.
