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Eu não curto a Kéfera e isso não precisa ser um problema

Sobre relevância, influência e formação de público

Calma, galera. Isso não é um texto de ódio. O fato de eu não curtir a Kéfera não precisa ser um problema mesmo. Eu nunca dei joinha no Facebook dela. Não sigo no Twitter. Pra lembrar o nome do canal dela ao escrever isso aqui, precisei procurar no Google por ela. Nunca assisti um vídeo dela. No entanto, não preciso transformar a invisibilidade dela pra mim em “hate”. Ela é uma das maiores influenciadoras do Brasil, tem um montão de adolescente lendo isso aqui já preparando o botãozinho de “dislike”. Ela é uma máquina. Ela é… Ela é…

É fada.

Kéfera nunca me incluenciou e isso não significa que jamais vai me influenciar. Eu não achava graça no PC Siqueira e hoje em dia sou fã do cara. Fã mesmo: já tô ligado que toda quinta-feira tem ‘PC no PC’, o programa que vai destruir a família brasileira. Eu acordo na sexta-feira doido pra ver a dobradinha ‘PC no PC‘ com o ‘Giro de Quinta‘ do famigerado Cauê Moura. Eles falam com uma galera mais velha, são homens héteros (eu acho) e acabam falando com outros caras no perfil deles – como eu (homem hétero – eu acho). Fazem piadas que fazem mais sentido pra mim. E o Cauê ainda tem o fator babaca ogro em processo de desconstrução: todo mês ele causa revolta nos seus próprios fãs ao falar alguma imbecilidade gigante e ter que vir um ou dois vídeos depois pra pedir desculpa.

Ah, a Kéfera. Então,

O lance é que não me identifico com a Kéfera. A imagem dela não me representa. Uma menina nova (23 aninhos), que tive que clicar num link da “Toda Teen” pra conhecer melhor o perfil dela. Me disseram também que ela tem alguns conflitos (repare no ‘me disseram’, ou seja, nem sequer me dei ao trabalho de confirmar a informação). Cara, eu sou um gordo de 30 anos e meu maior conflito existencial é querer ser vegetariano sem abandonar o bacon.

O problema é que isso não é um problema.

Não, pera.

O lance é que a gente não precisa desenvolver ódio por uma pessoa só porque ela é diferente. A Kéfera dialoga com uma galera que eu muito provavelmente não sei trocar ideia – e vice-versa. Eu não consigo estabelecer uma conversa com uma menina de 16 anos por mais de ‘5 minutos’. Eu e muita gente não consegue, inclusive os pais dessa menina de 16. E agora? quem vai trocar ideia com ela? Com quem essa menina vai se identificar?

Estamos em 2016 e não é possível que a gente não tenha aprendido a ver a figura grande das coisas.

Soube que a moça vai se afastar por uns tempos do Youtube. Um familiar está muito doente e ela deseja dar toda assistência possível a essa pessoa, além de se dedicar ao seu verdadeiro sonho, que é ser atriz.

Esse afastamento é o tipo de exemplo que precisamos. Nada pode ser maior que nosso sonho e ninguém pode ser maior que a nossa família. De uma vez só, a Kéfera dá um exemplo duplo pra geração de meninas que a segue. Ela mostra, não através de palavras, mas com verdadeiras atitudes que a vida vai muito além da telinha do computador. E como influenciadora, acredite, a decisão dela não vai passar batido.

Kéfera

Se queremos uma geração melhor de jovens no nosso lugar, precisamos dar nossa contribuição. Precisamos ser relevantes e conquistar a confiança destas pessoas. ‘Conteúdo é rei’, já dizíamos há dez anos atrás na web. E continua reinando. A melhor maneira de construir um público fiel – como a Kéfera fez – é com conteúdo relevante pra ele. A gente precisa ser coerente e consistente, oferecer com regularidade aquilo que o nosso público deseja ouvir. No meio disso, a gente vai inserindo as mensagens que acreditamos ser importantes pra eles.

E esse papo se aplica a você, que dá aula de história no ensino médio. A você, que está lançando sua carreira musical. A você aí também, que acabou de ter filhos. E também a você, que deseja ser um cronista lido por pessoas de diferentes gerações.

Voltando lá pro Cauê, por mais que ele diga muita besteira, ele também diz coisas importantes. Ele vive falando pra rapazeada deixar de ser homofóbica, fala pra galera abrir os olhos com a política e tudo mais. À maneira dele, vai comentando notícias bizarras que divertem seu público e lá no meio ele planta uma semente de mensagem. Os vídeos dele provavelmente não funcionam pra galera da Kéfera, mas seus mais de quatro milhões e meio de inscritos são uma prova que existe um público, por sinal bem grande, que deseja ouvi-lo.

Só consigo desejar coisas boas pra Kéfera e que estes sejam bons novos tempos pra ela. A moça deve estar vivendo uma montanha-russa de emoções e todo amor deve ser enviado pra ela. Enquanto você está lendo esse texto, o filme dela está em cartaz em vários cinemas pelo Brasil. Ela sozinha deverá faturar mais que o vídeo “Internet o filme” que sai ano que vem com um montão de youtubers. A Kéfera escreve, atua, faz dublagem e é gente como a gente – ou pelo menos como as meninas que a acompanham. E meninos também, né, afinal a gente precisa discutir gênero e parar com esse negócio de “coisa de menino” e “coisa de menina”.

Quer saber de uma coisa? Acho que vou lá dar play em alguns vídeos da Kéfera. Vai que eu curto?

Caraca, Kéfera é fada mesmo.

Esta coluna é de responsabilidade de seus atores e nenhuma opinião se refere à deste jornal.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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