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Vila Kennedy: moradores lutam para sobreviver ao vírus em comunidade que lidera ranking de tiroteios

Mesmo entre o vírus e os tiros, a união entre moradores e líderes comunitários promove apoio à comunidade

A favela da Vila Kennedy, que fica na zona oeste do Rio de Janeiro, tem sido alvo de inúmeros tiroteios. Segundo o relatório da plataforma Fogo Cruzado, a comunidade lidera o ranking entre os bairros da cidade que concentram mais tiroteios nesses últimos dois meses. Isso porque existe uma forte presença de operações policiais no local. Em 3 meses de pandeia a prefeitura distribuiu apenas 190 cestas básicas e moradores lutam juntos para sobreviver.

Em meio à pandemia do coronavírus, famílias que moram na VK, como é carinhosamente conhecida, ficam entre o vírus e os tiros. Nessa realidade cruel, são os moradores que sofrem e que também precisam agir para se apoiar. É aula de solidariedade e consciência social na ausência do Estado! 

Mapa da Vila Kennedy — Foto: Reprodução/Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro
Vagner Luiz é o Vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Kennedy. Foto: Mateus Paz

O Vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Kennedy (AMOVIK), Vagner Luiz, de 45 anos, relatou como a associação tem ajudado a comunidade, que segundo o Instituto Pereira Passos tem 12,8 mil domicílios e 41,5 mil habitantes. A pesquisa foi realizada em 2017, quando a comunidade se tornou bairro. “Mesmo antes da pandemia a gente já faz um trabalho que ajuda 50 famílias cadastradas com cestas básicas mensais, essas cestas são doadas pelos próprios comerciantes da comunidade. E mesmo com a pandemia onde alguns comerciantes tiveram queda no seu orçamento, eles não deixaram de ajudar.”

Vagner ainda acrescenta: “Instalamos pias com sabão em alguns pontos da comunidade para ajudar a conscientizar os moradores, tem sido um momento muito difícil. Recebemos ajuda também da CUFA, mas ajuda do governo aqui a gente não está tendo nada, houve somente duas ações de sanitização feitas pela Comlurb e pela Cedae e só”. A luta pela melhoria dos moradores é feita por várias mãos de forma muito clara. As instituições que atuam na Vila Kennedy trabalham com união tendo um único objetivo, que é levar mudança à vida das pessoas. “Muitos moradores receberam o auxílio emergencial do governo, porém, é uma quantia que não dá para arcar com todas as despesas de uma família, o aluguel na região sai em uma média de 500 reais, ou seja, com o auxílio de R$ 600 fica difícil conseguir manter todas as contas pagas”.

Saúde dos moradores da VK

Como não há testes para diagnosticar moradores que estão com sintomas do coronavírus, exite muita subnotificação na comunidade, contradizendo o Painel da Prefeitura que registra 22 casos de Covid-19 na Vila Kennedy. De acordo com o Painel de atualização de coronavírus nas favelas do Rio de Janeiro, feito pelo Voz das Comunidades, que começou a ser atualizado no dia 10 de abril, são 27 pessoas contaminadas com o novo coronavírus. Na maioria das vezes, moradores são levados para a UPA ou Clínica da Família, é feito atendimento com saturação e oxigenação do sangue, e depois são orientados a cumprir o afastamento social, mas sem a confirmação de estarem ou não com a Covid-19. 

UPA da Vila Kennedy. Foto: Reprodução

A Voz da Vila Kennedy acompanhou diversas pessoas que compareceram nas unidades de saúde com sintomas e vieram a óbito. Segundo o veículo de informações local, são mais de 20 moradores mortos pela doença, enquanto o Painel da Prefeitura confirma apenas 12.

O comércio

Comerciantes da VK têm respeitado o fechamento na medida do possível. E a população tem refletido no seu comportamento a discussão política que é explícita no nosso país. Alguns se justificam com as falas dos governantes que apoiam a abertura e a circulação normal de pessoas. Já moradores mais preocupados tentam não se expor e usam máscara quando é necessário sair. “Eu tenho muito orgulho do que esse pessoal tem feito pra ajudar a nós moradores da comunidade, nesse momento a gente tem criado um elo, eu ajudo e sou ajudado”, explica Walter Lopes, de 40 anos, morador da Vila Kennedy.

Nós por nós

No mesmo lugar em que fica a Associação de Moradores também está localizado o Instituto Angeluz, um projeto social voltado para esporte, lazer e cultura. Por conta da pandemia, o Angeluz está com as suas atividades suspensas, porém, nesse momento também estão atuando na assistência social a moradores da comunidade. 

Cestas básicas são distribuídas na comunidade: Foto: Mateus Paz / Voz das Comunidades

Leandro Marques, de 40 anos, presidente do Instituto Angeluz, conta como tem sido as ações de assistência a moradores: “Já ajudamos mais de 3 mil famílias durante a pandemia, tivemos uma doação expressiva também do Unibanco e da CUFA aqui, e a gente trabalha em conjunto com a associação. O foco do nosso instituto é o futebol, e nesse momento de pandemia onde foi necessário parar com as atividades, eu ganhei mais 26 filhos. Todos os dias a gente entra em contato para saber como eles estão e se precisam de alguma coisa e a gente ajuda. Aqui é um cuidando do outro e cuidando da comunidade. A gente praticamente só vai para a casa pra dormir, nossa motivação é ajudar o pessoal”.

Leandro Marques é presidente do Instituto Angeluz. Foto: Mateus Paz / Voz das Comunidades

O voluntário de audiovisual do Voz da Vila Kennedy, Bruno Teixeira, de 26 anos, falou sobre a experiência de cobrir essas ações: “Já ficamos no meio de um tiroteio durante uma ação, tivemos que nos proteger em uma casa com o nosso equipamento. Aqui na VK a gente tem muita credibilidade com o morador, eles avisam pra a gente o que tá acontecendo no território, é uma relação de muita confiança. E a gente tenta colaborar com o máximo que a gente pode pra ajudar a população, a gente tenta fazer a ponte entre a VK e o poder público. Tem muita coisa que nos comove, já cobri uma ação onde uma criança abraçou a cesta como se fosse um brinquedo com tanta felicidade, pois ele não tinha nada pra comer, eu não conseguia nem tirar foto. Aqui é nós por nós, a gente faz tudo por amor à comunidade. Só queria deixar meu apelo ao Estado, para olhar não só para Vila Kennedy mas para zona Oeste”.

Matheus Oliveira é morador da Vila Kennedy

Também morador da VK, Matheus Oliveira, de 21 anos, descreve sua indignação com o total descaso do poder público na comunidade: “É triste demais para a nossa comunidade enfrentar esse abandono, principalmente nessa pandemia. A gente se sente de mãos atadas, aqui tem muita gente de bem, que batalha todos os dias. Apesar de sermos noticiados somente com os tiros, nós temos muita gente com talento. Eu espero mais respeito do Estado”. Por outro lado, Matheus destaca que é importante a ação social de apoio a moradores. “Graças a Deus temos igrejas e instituições que têm assistido famílias e isso tem diminuído um pouco o impacto econômico que a pandemia trouxe, muitas pessoas perderam seus empregos e não tem como levar o alimento pra a sua casa. Eu espero que um dia possamos não apenas sobreviver mas viver com dignidade.”

Governo & Prefeitura

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) informou que mantém na região duas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), que funcionam 24 horas: Bangu e Realengo. Juntas, elas realizam mais de 12 mil atendimentos por mês. A SES informa ainda que as unidades prestam serviços de urgência e emergência.

Em três meses de isolamento social, a Prefeitura do Rio, por meio do programa Territórios Sociais, realizou a entrega de apenas 190 cestas básicas de alimentação e 57 kits de higiene para idosos em extrema vulnerabilidade, além de kits de sabonetes e 200 frascos de álcool em gel. Vale lembrar que a a Vila Kennedy possui mais de 40 mil moradores.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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