Núcleo de estimulação estrela de Maria distribui abafadores de som para crianças autistas de favelas cariocas

A campanha acontece há dois anos de forma independente
Rafaela França, fundadora do Neem. Foto: Vilma Ribeiro/Voz das Comunidades

O barulho da favela vai além dos sons do dia a dia. Helicópteros, tiros, sirenes e operações policiais fazem parte da rotina de muitas comunidades cariocas, onde crianças autistas sofrem ainda mais com a hipersensibilidade auditiva. Para aliviar essa realidade, a ONG Neem distribuiu, neste domingo (16), abafadores de som para crianças no Complexo do Alemão, garantindo um pouco mais de conforto e segurança para elas e suas famílias.

A fundadora da ONG, Rafaela França, explica que a iniciativa nasceu da urgência em proteger crianças neurodivergentes que vivem em territórios constantemente atravessados pela violência. “A ideia de distribuir os abafadores surgiu por conta das incursões policiais que são feitas nas comunidades cariocas. E o desespero das crianças com transtornos neurológicos? A gente viu que muitas mães de favela, muitas vezes, ficam à mercê de comprar um alimento ou um abafador”, relata.

Felipe Araújo, pai de Allana e Marcelo, sabe bem o impacto que um suporte como esse pode ter. “A pessoa dentro do espectro precisa de ajuda desde novo para ter uma vida adulta mais tranquila. A ONG tem esse cuidado e ajuda as famílias do morro”, afirma.

Para muitas crianças, o barulho não é apenas um incômodo, é uma barreira. Stephanie Gomes, mãe de Nicolas, de 9 anos, vê isso de perto todos os dias. “Ele tá com problema na escola. A professora usa microfone, e ele chora pedindo para sair da sala. ‘Mãe, não quero mais estudar lá’. Em qualquer evento ele chora e fala ‘Mãe, me tira daqui’ por conta do barulho”, conta.

A falta de recursos e informações sobre o TEA (Transtorno do Espectro Autista) torna a jornada dessas famílias ainda mais difícil. Jéssica Milito, mãe de Igor, de 10 anos, lembra como foi o começo do caminho até o diagnóstico do filho. “Me falaram da Rafa e resolvi ir atrás pelo WhatsApp. Ele tinha 8 anos e ainda não tinha laudo fechado, mas ela foi me orientando em como conseguir, foi quando entrei de vez na ONG.”

Sem apoio do poder público, a campanha dos abafadores acontece há dois anos de forma totalmente independente. “A gente enxergou que precisava usar o ‘nós por nós’ para se ajudar. Hoje, atendemos 160 favelas no estado do Rio de Janeiro. As campanhas são feitas pelas redes sociais, e a partir das doações conseguimos reverter isso para diferentes tipos de abafadores, com níveis de proteção variando entre 18 e 32 decibéis, além de abafadores de silicone para quem tem sensibilidade ao toque”, explica Rafaela.

Os abafadores não são apenas uma ferramenta para uso terapêutico, mas um item essencial para sobreviver à rotina da favela. “A gente precisa falar que o abafador aqui não é só para o barulho do ônibus ou para a sensibilidade auditiva na escola. Não é só para um autista ir para uma terapia. É para o helicóptero sobrevoando a laje. É para o som dos tiros. Para os atravessamentos do nosso território”, ressalta a fundadora.

A campanha dos abafadores é fixa e pode ser acompanhada pelo Instagram da ONG. Empresas, lojas ou qualquer pessoa interessada em contribuir pode entrar em contato pelo Instagram ou e-mail disponível da ONG. Além da distribuição de abafadores, a Neem mantém um grupo no WhatsApp que dá suporte às mães, oferecendo orientações sobre políticas públicas, promoção de direitos e até mesmo acesso a tratamentos alternativos, como a cannabis medicinal.

A ONG não exige laudo fechado para acolher as famílias. “A gente segura na mão da mãe desde o início, antes mesmo do diagnóstico. Acompanha até o laudo sair. Porque a burocracia não pode ser mais um obstáculo para essas crianças terem acesso ao que precisam”, enfatiza Rafaela. A distribuição dos abafadores no Alemão foi mais um passo para garantir que crianças neurodivergentes tenham um pouco mais de conforto.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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