Na parte alta da Rocinha, onde o asfalto dá lugar aos becos apertados e escadas sem fim, nasceu uma nova galeria de arte, feita de paredes, retratos e pertencimento. É ali, na região da Macega, que a fotógrafa, rapper e modelo Salemm, conhecida como Afotogracia, inaugurou no último domingo (28) a exposição “Pontos de Vista”.
“Sempre quis fazer uma exposição dentro da favela, mas nunca tive recurso, nem apoio. Então falei: se for pra realizar esse sonho, vai ser do nosso jeito, com o que a gente tem, e com a nossa visão”, afirma Salemm, que nasceu e cresceu na própria Rocinha.
A mostra marca o início de um projeto de oficinas voluntárias de fotografia para crianças da Macega, promovido por Salemm em parceria com a Favela Contente, sua produtora visual, e o projeto Most. “Escolhi começar pela parte mais esquecida da Rocinha. Lá em cima, onde quase não chegam projetos, nem turistas, nem investimento. É difícil chegar, tem que subir no movimento mesmo, mas era ali que eu queria ocupar”, conta.

As aulas acontecem aos sábados, das 12h40 às 13h, e o acesso à exposição, para visitantes de fora, é feito nesse mesmo horário, em grupo, partindo da entrada da Rua 1. Segundo Salemm, essa é uma forma de garantir a segurança e a vivência coletiva do projeto. “Esse espaço estava completamente abandonado. As crianças não tinham nenhuma atividade fixa. De vez em quando aparecia um professor de Muay Thai, um de capoeira, mas nada contínuo. A gente decidiu ocupar com arte.”
As obras são coladas diretamente nas paredes da comunidade, no formato de lambe-lambe, uma solução barata, simples e acessível, exatamente como a fotógrafa queria. “Quis que as fotos estivessem onde as pessoas vivem. Que a mãe, a avó, o tio, o vizinho, todos pudessem ver. Porque tem muita gente aqui que nunca foi a um museu. E a arte também é delas. Também é nossa.”

A exposição vai se espalhar ainda mais no dia 7 do próximo mês, quando as fotos serão coladas por toda a Rocinha. “Se eu tirei uma foto na Rua 4, ela vai estar na Rua 4. Se foi no barbeiro, vai estar na barbearia. A ideia é que as pessoas se reconheçam no cotidiano, que vivam a arte no lugar onde ela nasceu.”
Salemm já teve suas obras expostas em instituições renomadas como o Museu de Arte do Rio, o Museu do Amanhã e o Centro Cultural dos Correios. Duas de suas fotos foram selecionadas para uma exposição na França, em junho. Mas, para ela, nada se compara ao que está acontecendo agora.
“Já estive em vários museus, mas sempre faltava isso: ver minha arte aqui, onde tudo começou. Muitas vezes levei as crianças comigo para ver as fotos nos museus, e a gente passou por situações de racismo, de perseguição. Mesmo sendo os retratados. Os museus começaram a nos abraçar há muito pouco tempo. Agora, a arte tá onde ela sempre deveria ter estado.”
A exposição tem como princípio a valorização de moradores como protagonistas, e não como objeto de olhares externos. “A arte feita por gente preta, por crias da favela, por indígenas e caboclos, sempre foi vista como algo marginal ou exótico. Agora a gente tá dizendo: ‘tamo aqui’. E não como corpo nu ou subserviente, mas como sujeito. Como artista. Como potência.”
