OPINIÃO – Para quem a gente liga quando é a polícia que atira?

Foto: Uendell Vinicius / Voz das Comunidades

Na madrugada do dia 7 de junho de 2025 o Morro Santo Amaro perdeu um filho, que também era pai: Herus Guimarães Mendes da Conceição, jovem trabalhador e cheio de vida pela frente. Ele foi assassinado a tiros pela equipe do BOPE durante um dos principais movimentos culturais do morro em que nasceu e foi criado. Mais uma vida foi brutalmente interrompida pelo Estado genocida que tatua um alvo nas costas de todo preto e favelado assim que nascem. 

Herus era um jovem como tantos outros que lutam e sonham todos os dias em meio às dificuldades da vida periférica. É triste saber que ele não foi o primeiro a perder a chance de realizar seus planos, e ainda pior entender que não foi o último. Sem justificativa alguma, o Estado, que tinha por obrigação proteger, acusa, fere, mata e causa danos irreversíveis no cotidiano do favelado. 

Essa perda traz à tona uma antiga ferida do país: o valor desigual das vidas. Enquanto em bairros nobres as festas juninas são enaltecidas e seguras, no morro, a mesma manifestação cultural é invadida e oferece riscos aos moradores. Quando a favela sorri, a polícia atira, destrói famílias, traumatiza crianças e cobre a felicidade com muitas camadas de dor, pânico e ódio. 

Nunca é um acidente. Nunca é por acaso. Nunca é perdida.
Da abordagem ao tiro, a bala que sai da arma da polícia é sempre uma escolha

A repressão e a enorme vontade de mostrar “quem manda” falam mais alto toda vez que a polícia se manifesta contra a favela. Ela mata sem culpa a partir do aval do silêncio da sociedade diante de tamanha covardia. Eles fazem questão de punir e oprimir a comunidade até quando ela se une para protestar e gritar por justiça. Em meio a tantas dores e diante dos olhos da família que perdeu um membro, a polícia à paisana, covarde e desprezível atirou contra manifestantes que carregavam a ferida aberta do ataque letal do dia anterior. 

Policial civil fazer disparos para o alto durante ato — Foto: Ian Miranda/Grito Filmes

Seguindo a lógica do preconceito enraizada no país, podemos falar com muita certeza que não importa quanto dinheiro se ganhe honestamente, não importa quantos diplomas se tem, muito menos o quanto se luta para subir os degraus sociais. Se você é preto ou favelado, eles sempre terão o pior jeito de nunca te deixar esquecer isso.

O que eles esquecem é que dor tem voz. A raiva tem voz. As lágrimas e cicatrizes também têm voz. E essas vozes jamais serão caladas.

Herus não teve direito de defesa. Herus não pôde nem pagar seu lanche naquela noite. Um pedido de desculpas não trará Herus de volta e muito menos dará a ele a chance de ver seu filho crescer.

Foto: Reprodução

Quantos corpos pretos e favelados vão precisar continuar sangrando? Quantas mães vão precisar continuar chorando? Quantas famílias vão ter que sentir a dor da perda e ainda assim buscar forças para provar a inocência dos seus diante das acusações mentirosas sobre suas índoles? Quantos Herus ainda vamos precisar enterrar para que tudo isso tenha fim?

A memória de Herus permanecerá viva e sua história será contada na esperança de justiça, a partir da vontade de que sua morte não se repita.

#JustiçaPorHerus

AME O SANTO AMARO
Organização não governamental e sem fins lucrativos
Arrecadação e distribuição, acesso à cultura, equidade de gênero e mediação de políticas públicas

AMANDA ROCHA
Jornalista e integrante do coletivo Ame o Santo Amaro

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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