OPINIÃO – Até quando o reflexo vai ser confundido com ameaça?

Gabriel dos Santos Vieira estava a caminho do trabalho quando foi atingido por cinco disparos — Foto: Reprodução

Mais uma vez, a juventude preta das favelas sangra. E mais uma vez, tentam sujar a memória de quem nem teve tempo de realizar seus sonhos. O nome dele era Bielzin. Um adolescente com a vida inteira pela frente. Dançarino, cheio de talento, contratado por uma produtora, indo trabalhar. Mas isso não foi o suficiente para protegê-lo de uma bala.

Uma bala não, foram cinco. E não podemos dizem que foram balas perdidas. Cinco tiros tem alvo, são balas achadas, que sempre encontra os mesmos alvos: corpos negros.

Bielzin foi assassinado no Engenho da Rainha, no Rio de Janeiro, e antes mesmo da família conseguir velar seu corpo com dignidade, começou uma nova violência: a criminalização da sua imagem. Pegaram uma selfie no banco de trás de um carro, com um fone de ouvido e um corte de cabelo descolorido – conhecido como “reflexo” – e começaram a espalhar que ele era “bandido”.

Esse reflexo, para quem não conhece, é mais do que um estilo. É identidade. É moda de favela. É parte da estética preta, resistência cultural de jovens que, mesmo sem muitas oportunidades, buscam se expressar com liberdade. Mas num país que ainda associa cabelo, cor da pele e origem à criminalidade, o reflexo vira evidência. A estética vira sentença. A aparência vira alvo.

Estamos cansados. As mães estão exaustas. Quantas vezes mais vamos ver jovens pretos sendo “confundidos”? Quantas vezes a palavra “suspeito” vai ser usada como justificativa para disparar antes de perguntar? Bielzin era um trabalhador. Um jovem honesto, cheio de sonhos, como tantos outros que moram nas periferias e lutam diariamente para não serem engolidos por um sistema que insiste em descartá-los.

Não podemos aceitar que a imagem dele seja manchada para justificar o injustificável. Não podemos deixar que a vida de Bielzin seja reduzida a uma fake news de internet. A favela conhece seus filhos. E a favela não esquece. Bielzin não era mais um. Era tudo o que este país deveria proteger.

Bielzin presente. E que sua memória nos ajude a seguir lutando por justiça, por verdade e por respeito.

Por: Voz das Comunidades

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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