OPINIÃO – A comunicação é do povo e para o povo

Por: Ana Muza
Foto: Arquivo Pessoal

Quantas vezes me deparei com essa pergunta: “O que é a comunicação e para que ela serve?” Ainda há muitas dúvidas e interpretações sobre esse ofício e sobre como o nosso trabalho — o de comunicar — é percebido. No olhar de uma jornalista da favela, mulher preta que carrega em suas laudas tantas histórias, comunicar é, antes de tudo, um ato popular. Nesse contexto, a comunicação é do povo e para o povo.

Se pensarmos na amplificação da voz da comunidade, seus interesses e suas formas de organização, podemos afirmar que essa prática já existia muito antes de ser nomeada. Era exercida por nossos avós, nossas mães, nossos pais, nossos vizinhos. Toda favela e periferia já traziam na essência o famoso: “Tá sabendo disso?” Quem nunca esteva na varanda e ouvia o vizinho passando a informação: “Hoje não tem gás no morro”, “Vi a Light no pé da ladeira”, “Acho que a água só volta amanhã, é o que tão dizendo por aí…” Essas e tantas outras formas de se comunicar existiam antes mesmo de se cunhar o termo comunicação popular. Era uma corrente simbólica de saberes, muitas vezes no formato de um telefone sem fio, onde a informação fluía de boca em boca, atravessando ruas, vielas e corações.

Hoje, nosso modo de atuar como militantes e mobilizadores dos territórios preserva a singularidade de cada favela, de cada periferia. Cada canto sabe como se comunica e com quem. Mas temos propósitos em comum: ser a voz, a força e a credibilidade de quem enfrenta diariamente o peso de preconceitos impostos por uma sociedade que insiste em matar corpos pretos e em negar à favela seus direitos básicos.

Nossa luta, hoje, é por manter viva essa prática ancestral. A diferença está nas ferramentas. Usamos apuração, construções políticas, acesso a tecnologias e plataformas que nos ajudam nessa missão essencial: manter a favela informada sobre o que nela acontece — e garantir que seus direitos sejam reconhecidos e respeitados. Não produzimos narrativas fechadas entre quatro paredes. Nossas histórias são pensadas no caminhar, nas ruas, nos encontros, nas vivências de cada morador. Contamos com a parceria de comércios locais, o apoio de instituições e ONGs, e, principalmente, com o olhar atento de quem vive e respira o território. As demandas da comunidade são sempre pauta — e são urgentes.

Distribuição do Jornal Voz das Comunidades Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

O jornalismo comunitário deixa um legado profundo nas favelas: ele documenta nossas histórias com verdade e dignidade, registra nossas lutas, celebra nossas conquistas e denuncia nossas dores. Ele forma gerações de comunicadores que não apenas informam, mas transformam. A comunicação comunitária é raiz, é memória e é futuro. É resistência viva contra a invisibilidade.

Enquanto houver morador precisando de informação sobre seu próprio território, a comunicação popular será necessária — e seguirá resistindo. Mesmo com obstáculos, seguimos firmes, porque comunicar, nas periferias, é também um ato de amor, cuidado e sobrevivência. Costumo dizer que nós, moradores, somos os verdadeiros repórteres dessa longa e potente jornada.

Ana Muza
Jornalista, comunicadora popular e fundadora do PPG Informativo, veículo comunitário dos morros Pavão, Pavãozinho e Cantagalo. Atuou em políticas públicas para mulheres e na promoção da cultura.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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