Quantas vezes me deparei com essa pergunta: “O que é a comunicação e para que ela serve?” Ainda há muitas dúvidas e interpretações sobre esse ofício e sobre como o nosso trabalho — o de comunicar — é percebido. No olhar de uma jornalista da favela, mulher preta que carrega em suas laudas tantas histórias, comunicar é, antes de tudo, um ato popular. Nesse contexto, a comunicação é do povo e para o povo.
Se pensarmos na amplificação da voz da comunidade, seus interesses e suas formas de organização, podemos afirmar que essa prática já existia muito antes de ser nomeada. Era exercida por nossos avós, nossas mães, nossos pais, nossos vizinhos. Toda favela e periferia já traziam na essência o famoso: “Tá sabendo disso?” Quem nunca esteva na varanda e ouvia o vizinho passando a informação: “Hoje não tem gás no morro”, “Vi a Light no pé da ladeira”, “Acho que a água só volta amanhã, é o que tão dizendo por aí…” Essas e tantas outras formas de se comunicar existiam antes mesmo de se cunhar o termo comunicação popular. Era uma corrente simbólica de saberes, muitas vezes no formato de um telefone sem fio, onde a informação fluía de boca em boca, atravessando ruas, vielas e corações.
Hoje, nosso modo de atuar como militantes e mobilizadores dos territórios preserva a singularidade de cada favela, de cada periferia. Cada canto sabe como se comunica e com quem. Mas temos propósitos em comum: ser a voz, a força e a credibilidade de quem enfrenta diariamente o peso de preconceitos impostos por uma sociedade que insiste em matar corpos pretos e em negar à favela seus direitos básicos.
Nossa luta, hoje, é por manter viva essa prática ancestral. A diferença está nas ferramentas. Usamos apuração, construções políticas, acesso a tecnologias e plataformas que nos ajudam nessa missão essencial: manter a favela informada sobre o que nela acontece — e garantir que seus direitos sejam reconhecidos e respeitados. Não produzimos narrativas fechadas entre quatro paredes. Nossas histórias são pensadas no caminhar, nas ruas, nos encontros, nas vivências de cada morador. Contamos com a parceria de comércios locais, o apoio de instituições e ONGs, e, principalmente, com o olhar atento de quem vive e respira o território. As demandas da comunidade são sempre pauta — e são urgentes.
O jornalismo comunitário deixa um legado profundo nas favelas: ele documenta nossas histórias com verdade e dignidade, registra nossas lutas, celebra nossas conquistas e denuncia nossas dores. Ele forma gerações de comunicadores que não apenas informam, mas transformam. A comunicação comunitária é raiz, é memória e é futuro. É resistência viva contra a invisibilidade.
Enquanto houver morador precisando de informação sobre seu próprio território, a comunicação popular será necessária — e seguirá resistindo. Mesmo com obstáculos, seguimos firmes, porque comunicar, nas periferias, é também um ato de amor, cuidado e sobrevivência. Costumo dizer que nós, moradores, somos os verdadeiros repórteres dessa longa e potente jornada.
Ana Muza
Jornalista, comunicadora popular e fundadora do PPG Informativo, veículo comunitário dos morros Pavão, Pavãozinho e Cantagalo. Atuou em políticas públicas para mulheres e na promoção da cultura.