Pesquisar
Close this search box.

Mulheres do fim do mundo, precisamos seguir

Morte como projeto vigente que recai sobre nós é tão pesada quanto a inadiável tarefa de luta

Foto: Eduardo Anizelli
Por: Lia Manso para PerifaConnection, na Folha de S.Paulo

A pergunta que faço neste texto feito no Mês das Mulheres Negras é também um convite para seguirmos juntas e pelo legado de nossas Ialodês (termo em seu sentido político empregado por Jurema Werneck), contemporâneas e de antes, principalmente de Benguela, de Quariterê.

A pergunta-inspiração vem do reinado quilombola de Tereza de Benguela: por onde e como seguimos construindo rotas de vida?

Não é possível responder à pergunta sem pensar nas vivências de expropriação, negação, subordinação e desrespeito, recorrentes em nossas trajetórias e de nossas comunidades. Materialidades que nos demandam ainda mais frente à pandemia utilizada como tecnologia de genocídio.

Em meio à pandemia do coronavírus, o Brasil chegou a liderar mortes maternas por Covid-19 no mundo, com as mulheres negras expostas a riscos de morte duas vezes maior comparadas às mulheres brancas.

De acordo com os dados produzidos pelo Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19, até maio de 2021, as mortes maternas entre mulheres negras foi 77% superior às das brancas. O Brasil representa 75% das mortes maternas pela doença no mundo todo.

A morte como projeto vigente que recai sobre nós é tão pesada quanto a inadiável tarefa de luta. Inclusive para pautarmos a emergência de compreensão sobre como o controle da sexualidade, pelo Estado e pelo poder privado, bem como o histórico racista das hierarquias reprodutivas sobre a vida das mulheres negras, são eixos para violências, injustiças, iniquidades e indignidades.

Este processo resulta em genocídio, como nos casos das mortes de Alyne Pimentel, Rafaela dos Santos, Ingriane Barbosa, Kathlen Romeu e tantas outras de nós.

A crescente mortalidade materna expõe os mecanismos de instituições racistas e cisnormativas que aniquilam as vidas de mulheres e de pessoas negras (não binárias e homens trans) que gestam. Diante das quais nos movemos por Justiça reprodutiva.

Protesto no Complexo do Lins após a morte de Kathlen Romeu, 24 anos
Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades

As tarefas não são simples mas a pergunta feita inicialmente grita para não nos definirmos pelas iniquidades ou pelas tentativas de aniquilação. Não podemos nos limitar à compreensão de quem produz nossa morte. Retornando aos legados, penso que Tereza de Benguela se colocou em fuga não apenas pela constatação dos mecanismos de subordinação e do sofrimento, mas pela certeza que a definição de sua humanidade não cabia a quem lhe açoitava.

Sobre convocatórias, de ontem e de hoje, a pergunta-impulsionamento, inspirada na trajetória de Tereza de Benguela, ganhou ainda mais propulsão a partir do que Jurema Werneck e Lúcia Xavier me fizeram refletir neste julho de 2021: a necessidade de mudar o mundo é fundante da ação política de nós, mulheres negras, da confirmação dos nossos investimentos na humanidade.

A convocação dá ainda mais materialidade à importância de construção de rotas de vida ao nos chamar à responsabilidade não pelo sofrimento, mas pelo protagonismo de nossas lutas. Recobra-se a mensagem para não paralisarmos frente às tentativas de imposição do terror pelo poder racista, patriarcal e cisheteronormativo.

As convocatórias feitas por tantas mulheres negras, Ialodês de hoje, durante o mês de julho recuperam nossos propostos pactos civilizatórios, não inaugurados apenas em nós, mas consolidados na Carta de 2015 (7) e renovados na Carta das Mulheres Negras ao STF em 2020 . As cartas de 2015 e de 2020, para além da negativa ao padrão civilizatório ocidental, branco e colonial, nos impulsionam em base civilizatória diversa através do Bem-Viver, nossa Utopia, que propõe distribuição de Justiça para todes – nossa rota de vida.

Sim, somos as Mulheres do Fim do Mundo cantadas por Elza Soares. Contudo, não as da imagem distópica assinada por quem nos aponta a subordinação, o açoite e a morte. Cantamos (cantaremos) e lutamos (lutaremos) como protagonistas até o fim deste mundo ficcionado pelo poder, expropriação, acumulação e desumanização racista. Por nossa Utopia possível do Bem-Viver. A rota de nossa Marcha continua sendo guia. Sigamos!

Lia Manso
Coordenadora de projetos em Criola, advogada, pesquisadora e ativista em direitos humanos, raça e gênero

PerifaConnection, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, é feito por Raull Santiago, Wesley Teixeira, Salvino Oliveira, Jefferson Barbosa e Thuane Nascimento. Texto originalmente escrito para Folha de S. Paulo.

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp
casibomjojobetCasibomcasibom girişcasibomcasibom girişCASİBOMholiganbet güncelizmir escortcasibomcasibom güncel girişcasibom güncelCasibomCasibom Güncelholiganbetholiganbet güncel girişjojobetjojobet girişjojobet güncel girişCasibomcasibom girişjojobet güncel

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]