Moradores denunciam que obras da prefeitura no bairro Jardim Maravilha causam ainda mais transtornos

Moradores sofrem com cheias constantes, que pioraram com o início das obras
Foto: Voz das Comunidades

Todo verão, os moradores do bairro Jardim Maravilha, localizado na zona Oeste, sofrem com cheias constantes. Há dois anos, o problema está cada vez pior, por conta das obras feitas pelo programa “Bairro maravilha”, da Prefeitura do Rio. Após anos de promessas de melhoria, o que parecia ser a solução, se tornou um pesadelo.

Tatiane da Silva, 36 anos, mora há 20 anos no Jardim Maravilha, há alguns anos a sua casa começou a encher. Quando chove, não tem o que fazer, a solução que a moradora encontrou foi se abrigar na casa de outras pessoas com sua filha e o marido. “Encheu quatro vezes, perdi tudo as quatro vezes. Só salvei os documentos, saio para a rua e deixo até abaixar”, relata.

Este ano, a casa de Tatiane foi atingida e chegou a alagar, de forma mais controlada. “Não encheu igual enche dentro de casa. Mas ano passado chegou a estragar sim (móveis e elotrodomésticos), a geladeira… Perdi um monte de coisa ano passado”, diz. A moradora conta que, durante a infância, as chuvas traziam menos problemas, “quando era criança, dragava muito o valão (Rio Piraquê), né? Não vejo mais fazendo isso”, denuncia.

Marcos de Souza, 66 anos, ao fundo um esgoto a céu aberto feito pelos próprios moradores para auxiliar o escoamento da água. Foto: Voz das Comunidades.

Seu Marcos de Souza, 66 anos, mora no Jardim Maravilha desde que nasceu. A sua casa nunca tinha sido afetada pelas chuvas, mas há algum tempo a situação mudou. “Deve ter um mais ou menos um cinco anos. Antes disso, nunca tinha visto isso aqui. A água ficava aqui na rua, daqueles no máximo até aqui, daqui para lá. Aí começou construção, construção, construção, aí a água não tinha mais pra onde escoar.”

O bairro foi crescendo e as obras de infraestrutura não acompanharam o desenvolvimento do local. “Aqui era praticamente um brejo, um mangue, né? Então toda vez que chovia a água tinha para onde acumular. Conforme as construções, o pessoal foi botando aterro para construir e foi tirando o espaço da água”. Por conta do problema frequente e a falta de auxílio do poder público, os moradores arrumam suas próprias soluções.

Não tem como fugir do assunto, ao conversar com os moradores, a falta de escoamento e problemas relacionados ao sistema fluvial do bairro tomam conta. “Não tem como escoar, aí a gente, por conta do entupimento, tem uma caixa aqui que o esgoto passava por aqui, como daqui para lá entupiu e eles (prefeitura) não conseguem resolver esse problema. Nós tivemos que abrir (um esgoto a céu aberto)”.

O esgoto a céu aberto atravessa a rua do seu Marcos e vai até a uma vala criada pela própria população. Foto: Voz das Comunidades.

Casinhas: “Aqui tudo enche”

Segundo relatos dos próprios moradores, a localidade conhecida como “casinhas” é a parte mais afetada pelas chuvas na região. Foto: Voz das Comunidades.

Dona Maria da Glória Rosa, moradora do bairro há 50 anos, conta que a cheia impacta na vida de todos, até das crianças. “Quando chove nenhum dos meus três netos vão à escola, não tem como. Tem dias que a gente precisa faltar trabalho”, relata. Nem sempre é possível faltar trabalho e o que resta é encontrar soluções em meio ao caos “tem que botar sacola no pé e trabalhar. É osso”, complementa Dona Maria.

Pedro Henrique Costa, há 23 anos, vê os moradores da localidade perdendo tudo por conta das cheias. “Muita gente na mesma situação de ter que condenar a casa porque está cansado de perder as coisas dentro de casa”, conta. Sua família já foi vítima da situação e perdeu tudo três vezes.

O dia após o temporal

Em 2023 e 2024, o bairro de Guaratiba foi a região com maior incidência de dengue do Rio de Janeiro. Após as chuvas, moradores também relatam a falta de coleta de lixo na região das casinhas. O caminhão não passa no local, o lixo acumula e atrai diversos pragas e roedores.

“Aqui não fica caçamba pra gente botar lixo dentro, jogar lixo é no meio da rua. É rato, é barata, tudo. Se chover ele não passa, leva dois, três, quatro dias pra vir. Aí a situação vai piorando mais ainda, entendeu? Porque os moradores vão jogando, vão jogando lixo. Não para de ter lixo aqui.”

Em entrevista a TV Globo, o prefeito Eduardo Paes falou sobre a entrega da primeira parte das obras no bairro Jardim Maravilha, contemplado pelo projeto Bairro Maravilha. “A gente ainda vai ter alguns verões com problemas. Na verdade foi um compromisso que nós assumimos na campanha de 2020, então a gente iniciou as obras nesse meu último mandato, mas as obras aqui são muito complexas. O que vamos fazer aqui é muito sofisticado, praticamente são diques, como é na Holanda, que é um pais baixo, mas é uma obra que demora um tempo. Então, ainda há partes do jardim maravilha que mesmo no próximo verão ainda passarão por essas dificuldades”, explica.

Em contato com a Secretária Municipal de Infraestrutura (SMI) questionamos se a piora da situação está relacionado as obras realizadas pela prefeitura, se há algum projeto específico para a localidade conhecida como “Casinhas”. Se sim, qual a previsão de início e término das obras e quais as medidas imediatas estão sendo tomadas para minimizar o impacto para os moradores da região. Obtivemos retorno da Assessoria de comunicação fundação Rio-Águas, veja na íntegra:

“A Fundação Rio-Águas informa que a primeira fase das obras de urbanização do Bairro Maravilha no Jardim Maravilha, na Zona Oeste da cidade, foi entregue em março deste ano. Com um investimento de R$50,9 milhões, a intervenção contemplou a implantação de infraestrutura de drenagem, redes de esgoto e abastecimento de água, além de pavimentação e calçadas com acessibilidade em 27 ruas do bairro, beneficiando milhares de moradores. Uma área de lazer também foi construída, com parquinho para crianças, na Avenida Barão de Cocais.

O projeto para a próxima fase das obras em Jardim Maravilha foi selecionado pelo Novo PAC e receberá R$ 340 milhões de investimento do Governo Federal. O contrato de repasse de recursos foi assinado e o projeto passa por análise técnica junto à Caixa Econômica, fase anterior à licitação. Esta etapa das obras contemplará a implantação do dique no Rio Cabuçu-Piraquê e três reservatórios para a região, que protegerão o loteamento das cheias do rio.”

Após a resposta, questionamos duas vezes a possibilidade de acesso ao plano de obras e não tivemos retorno. Também contactamos a Secretária Municipal de Saúde (SMS) por e-mail, solicitamos o percentual de casos de dengue por região, mas também não fomos respondidos.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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