O Ylê Asé Egi Omim é um terreiro localizado no alto do bairro Santa Teresa, próximo ao Centro do Rio de Janeiro. Escondido na mata da Floresta da Tijuca e quase aos pés do Redentor, o terreiro é cercado por todo o cenário cultural que alicerça o Rio de Janeiro: as casas grandes que retomam um Rio contado em músicas ao estilo MPB, com o sabor balançado do ritmo funk das favelas – afinal, o terreiro é cercado delas. Mas mesmo circundado por tudo que relembra um misto de barulho, “o que reina aqui é a paz de Oxalá”, como diz Iyá Wanda, líder da primeira dinastia do Ylê Asé Egi Omim.
Wanda Cristina Araújo da Silva, Wanda D’Omolu, e até Iyá Wanda (como já citada acima) é dona de uma sabedoria vinda de ensinamentos da ancestralidade, da experiência de vida ao longo dos seus quase 70 anos e do cotidiano de um mundo que se transformou muito rápido. Pilar máximo do Ylê Asé Egi Omim, a presença de Wanda se caracteriza como a mãe que cuida de todos ao seu redor – ainda mais com aqueles que frequentam o terreiro. Sendo a base de conselhos e mandamentos que guiam aqueles que sempre a seguiram e seguem, Iyá Wanda marca presença pela sua simpatica, honestidade, uma bela dose de ironia e o afago de mãe.
Fazia um sábado quente no meio de fevereiro no Rio de Janeiro no dia que Iyá Wanda nos recebeu em sua casa. Sou recebido por William Santos, um dos seguidores e protetores do terreiro e que fez os registros durante a entrevista. Ele varre as folhas caídas das árvores e conversa comigo até que Iyá Wanda chega e abanando. “Que calor é esse?”, reclama ela e logo me faz a pergunta. “Tudo bem, filho? Já tomou água.” Vestida toda de branco, com guias no pescoço, ela se vira para William. “Você também, hein? Vai tomar água. Folha cai toda hora e é leve pra juntar. Se tu cair, te levantar vai dar trabalho”. William dá uma risada. Ela me guia para o seu escritório, local onde onde joga búzios. “Esse calor não é nada normal, filho.”, diz ela procurando o controle do ar-condicionado. “Aqui a gente tá rodeado de árvores e mesmo assim está insuportável”. Assim que o ar-condicionado é ajustado, começamos a entrevista.
A casa de candomblé Ylê Asé Egi Omim chegou há 5 anos em Santa Teresa, conta Wanda. “Antes ficava em Guaratiba. Viemos para cá como uma ação de política e de identidade preta. Ter um terreiro no coração do Rio de Janeiro, é muito difícil”, diz ela. “Somos cercados por 11 favelas e continuamos do jeito que sempre somos. Rodeados pelo nosso povo. É o nosso território que a gente ocupa, nós com as favelas e nós, como terreiro”. O terreiro atualmente ocupa um lugar estratégico, e o ambiente exala um cheiro “cheiro de pretitude” diz ela enquanto esfrega dos dedos como se agarrasse o aroma no ar. “Tem muitas pessoas que falam que Santa Teresa é um espaço branco. Não. Quem fala isso não tem o histórico da comunidade. Quem construiu e levantou isso aqui foram pessoas pretas. E Santa Teresa é um lugar que guarda muita cultura. E hoje juntamos isso tudo e acolhemos tudo e todos. Ancestralidade, religião, pretos, não pretos, brancos, indígenas, como diz o samba”. Iyá Wanda.
Educação de Terreiro, Preservação da Memória e busca pelo que é seu
Iyá Wanda detalha que a educação de terreiro, baseada na sabedoria ancestral, é como se fosse uma educação escolar. Obviamente que não substitui, mas com pilares centrados na religião e no respeito, o terreiro cumpre um papel fundamental naqueles que o frequentam. “Daqui vem o respeito com os mais velhos. É olhar para trás e aprender a falar na hora certa, receber uma bronca. É essa a educação que promovemos aqui”, detalha, “Aqui não tem aquilo de ‘você entra você não entra, você vai por essa porta, sai por aquela’. Aqui não tem isso porque a gente, enquanto pessoas pretas, já passamos por isso no nosso cotidiano”.

Prestes a fazer 67 anos, Iyá Wanda revela que nasceu e renasceu no candomblé. E através do que ouvia da sua avó durante sua infância, ela repassa para aqueles que chegam ao Ylê Asé Egi Omim, principalmente aos mais novos. “Minha vó dizia ‘Negrinha, estuda que papel em branco aceita qualquer coisa. Vai escrever sua história, vai estudar.’ Minha avó era lavadeira, cozinheira. Eu que fazia o rolé para ela, das roupas e ia ouvindo os conselhos dela… ‘Olha, o maior marido é dinheiro no bolso!’, relembra ela rindo. A família, como boa família preta, trabalhava muito e o final de semana, principalmente aqueles regados ao som do carnaval, entoavam os parentes. “Minha vó era baiana de escola de samba, meu avô mestre sala, meu pai de garfieira, meu tio primeiro Pai de Ouro da Portela. É essa coisa assim, sabe?” relembra ela. No final de semana, a casa convergia em cantos, danças, conversas…. E claro! Conflito. Porque a gente sabe que isso é a manutenção de uma família preta”, sorri.
Iyá Wanda revalida que ‘a base precisa vir e ser forte’. Para ela, sendo um desafio preparar os mais novos para um mundo cheio de novidades, o mais importante na caminhada é seguir em frente, mas sem deixar de olhar para trás. “Faz parte da trajetória de todo mundo, buscar sua independência. Mas que faça isso lembrando de quem embalou você. Te deu peito quando você chorava, te abraçou quando você se machocou. É olhar pra trás sem esquecer de quem ajudou você a moldar quem você é. O desafio é fazer os nossos saberem quem eles são, né? A independência não vai dizer que você vai largar, vai jogar tudo para cima, para o alto e vai esquecer do compromisso, porque é um compromisso ser preto. Ser preto do jeito que eu vim, é ter um compromisso conosco. E esse conosco que eu falo é sua família ou seu amigo e aqui, nesse chão, o o terreiro.
Cuidando dos nossos
“Sempre foi uma busca”, responde enfática. Pelos episódios de racismo que já passaram pela sua vida, Iyá preza pelo bem estar das pessoas pretas, além de revalidar a importância do cuidado mútuo uns com os outros. Ainda mais nos terreiros menos familiares. “A gente precisa olhar os nossos, o nosso entorno, ver como é que funciona. Sempre penso assim: ‘o que meu pai diria? Como ele me auxiliaria? Como ele iria me mostrar? Como ele iria me ajudar a conduzir um conflito?”, reflete. Para ela, as pessoas precisam aprender a administrar conflitos. “Eles acontecem o tempo todo. Mas você tem que ver o seu primeiro. E saber mediar, respirar e achar um solução para duas partes. Isso é importante, e não causar mais danos”, e finaliza. “A gente entender da nossa história, do nosso redor né?”.
Para cuidar e preservar “os nossos mais novos”, o Ylê Asé Egi Omim desenvolve ações por meio do Escritório da Mata — uma iniciativa do axé aberta ao público, dedicada a cultivar a cultura do terreiro e manter vivas suas tradições. Em parceria com artistas e professores, o espaço promove encontros que celebram a arte, a religiosidade e a ancestralidade. Prestes a ser reconhecido como um ponto de cultura, o Escritório da Mata realizou recentemente o 3º Encontro de Jovens no Terreiro, um momento de partilha de saberes e afirmação do papel fundamental da ancestralidade na formação das novas gerações.

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