“A câmera na quebrada vira uma grande arma”. A frase é do cineasta Filipe Barbosa, 28 anos, natural da Cidade de Tiradentes, Zona Leste de São Paulo, que vem protagonizando as memórias e as vivências da periferia paulista, mostrando toda a diversidade presente em suas obras. Agora, alcançando um importante marco internacional em sua carreira, ele deu vida ao “Quase Trap!“ que ele dirigiu e foi apresentado na sessão especial do Mercado do Filme dentro do Festival Internacional de Curtas Clermont-Ferrand, ao lado de outras quatro produções brasileiras, destacando o Brasil e chamando a atenção do público.
Considerado o segundo maior festival de cinema da França, só ficando atrás de Cannes, Clermont-Ferrand recebe por ano mais de 8.000 inscrições de curtas de todo o mundo e atrai cineastas, distribuidores e profissionais da indústria cinematográfica global. A seleção dos vencedores do Festival Internacional de Curta-Metragem de Clermont-Ferrand aconteceu no último sábado (8), na França.
“Eu nunca imaginei que estaria aqui, foi muito inesperado”, declara emocionado Filipe sobre sua presença na França, resultado de um trabalho iniciado em novembro de 2024. O que tornou isso possível foi um edital Spcine uma iniciativa que promove a articulação de redes afirmativas. E ainda acrescenta. “eu nunca tinha viajado para fora do país, então para mim tem sido muito diferente”, destacando a importância do espaço que conquistou com a sua produção.



O cinema entrou na vida dele quando, em 2018, junto com seus amigos, fundou uma casa de cultura independente na Cidade de Tiradentes. Lá, ele ficou encarregado de tirar fotos e explorar o audiovisual. Além disso, ele participou de uma oficina de cinema promovida pelo festival Kinoforum, na comunidade de Paraisópolis, a três horas de sua casa. Quem se envolvia na formação também tinha a oportunidade de participar do Festival Internacional de Curtas de São Paulo. Foi nesse momento que Filipe se viu na telinha. “Naquele dia, parecia que tudo havia mudado para mim”, relembra o cineasta.
Fundado em 2018 por Filipe Barbosa, o Cine Social Club é um cinema itinerante que atua na periferia da Zona Leste. A iniciativa surgiu como uma resposta à predominância branca na indústria cinematográfica e tem como objetivo democratizar o acesso ao cinema, destacando narrativas latino-americanas, africanas e nacionais.
Fundado em 2018 por Filipe Barbosa, o Cine Social Club é um cinema itinerante que atua na periferia da Zona Leste. A iniciativa surgiu como uma resposta à predominância branca na indústria cinematográfica e tem como objetivo democratizar o acesso ao cinema, destacando narrativas latino-americanas, africanas e nacionais.
Por meio de um trabalho de base, o projeto exibe e apresenta produções que refletem a realidade da população periférica e negra, estimulando a identificação do público e fortalecendo a representatividade nas telas. Além disso, a iniciativa considera o consumo de audiovisual nas quebradas, destacando momentos marcantes, como quando o bairro do cineasta serviu de cenário para diversos videoclipes de funk. Esse movimento reforça o sentimento de pertencimento e a valorização do ritmo, que tem um papel fundamental na vida dos moradores e na formação de futuros artistas.
Fluxo: o filme foi o pontapé inicial em sua marcha
O ponto de partida foram os fluxos de rua e as vivências do dia a dia. A coletividade e os registros de memória dentro de um baile na quebrada ganharam protagonismo — as amizades que surgem, as danças e a cumplicidade entre aqueles que, momentos antes, compartilhavam um drink e, depois, estavam envolvidos na construção e execução do filme.
A atmosfera do baile proporcionou o cenário ideal para que a ideia ganhasse vida, transformando um sonho em realidade. Tudo começou a partir dessa experiência, quando Filipe reuniu alguns amigos que abraçaram o projeto com entusiasmo. “A gente sabe que precisa da ajuda do outro”, destaca Filipe.
O impacto e a receptividade dessa obra ficaram evidentes em diversos aspectos: desde a participação de grandes nomes do funk paulista na trilha sonora, até o corre independente para viabilizar sua finalização por meio da vaquinha online. A exibição do “Fluxo- O filme” no Vale do Anhangabaú, reuniu mais de mil espectadores, mas, acima de tudo, o filme inspirou aqueles que estavam por perto, despertando o interesse por fazer cinema.
“Trazer essa memória do funk é o fluxo”, destaca o cineasta. O mais genuíno em todo o processo é opoder registrar as próprias memórias, com valor afetivo e histórico. Em resposta a um passado marcado pelo apagamento e pela distorção de significados. Essa iniciativa transforma essas lembranças em uma memória viva, assumindo um papel de um museu.
Os percalços ficaram evidentes durante o evento de divulgação do filme no Aniversário da Cidade de Tiradentes. Filipe relata. “A gente ia estrear o filme na nossa quebrada, em uma data importante, mas a polícia invadiu o baile onde faríamos a exibição. Fomos automaticamente associados à venda de armas e drogas.” O episódio reflete a criminalização da arte produzida nas favelas, reforçando os obstáculos enfrentados para ocupar esses espaços.


Os passos futuros
O cineasta está desenvolvendo mais uma produção, atuando como diretor e roteirista do curta “Passado & Presente”. Com esse trabalho, ele segue empenhado em dar visibilidade e dignidade à juventude favelada e periférica, destacando a arte em toda a sua diversidade e a multiplicidade de realidades presentes em um território como a Zona Leste de São Paulo, especialmente na Cidade Tiradentes, seu bairro de origem. E além disso, promover as trocas e intercâmbios que as vivências proporcionam, destacando o ponto chave: a cultura existente.
Em outros planos para o futuro, ele sonha em criar um escola de cinema em seu bairro, para que outros estudantes não passem pelo que ele passou, de ter que sair até mesmo do seu estado para estudar. Como foi o seu caso, para buscar especialização na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E o outros territórios para poder estudar cinema para dar possibilidades e alternativas para as pessoas acreditarem que o cinema muda vidas.
Filipe elabora. “Trabalhar em um longa-metragem é como um processo de aprendizado. Meu desejo é que esses projetos, como O Fluxo, ganhem ainda mais vida e se transformem em uma série. Já tenho um o episódio piloto!”, afirma sobre o processo de construção de uma base sólida e confortável para expandir sua criatividade.
No momento, o foco é dar um passo de cada vez, garantindo qualidade na produção de projetos menores como bem destaca o cineasta. O objetivo é encontrar formas de viabilizar a criação dentro da realidade disponível, considerando os recursos financeiros. Compreendo que ainda, neste momento de trajetória, onde é essencial concentrar os esforços nos curtas antes de avançar para produções de maiores.