Reportagem: Samantha Millan e Nathália da Silva
Ele carrega consigo o nome da escola de samba. É preto, gay e criado na favela. Irreverente e inovador, Carlinhos Salgueiro revolucionou o samba para ser aceito e, desta forma, abriu portas para um espetáculo mais democrático.
Criado no Morro do Andaraí, Zona Norte do Rio, Carlinhos deu seus primeiros passos na dança através das quadrilhas da comunidade. “Minha mãe tinha medo que eu me envolvesse com coisa errada e não me deixava sair de casa. Ensaiar na quadrilha era a minha forma de ir para a rua.”
Após participar de uma disputa de samba da escola de samba mirim Aprendizes do Salgueiro, Carlinhos se destacou com seu talento nato para a dança e logo se tornou coreógrafo aos 13 anos. De coreógrafo a passista, ele sempre sonhou com mais. “Eu detestava ser passista porque tinha que ficar sambando do começo ao fim, não tinha direito a nada. Eu não achava isso certo. Comecei a exigir oportunidades, mas nunca pensei que eu fosse mudar o mundo do samba”, conta o atual diretor artístico do Acadêmicos do Salgueiro, escola de samba que pertence há mais de 30 anos.

Com 52 anos e dezenas de países em seu currículo, Carlinhos Salgueiro quebrou preconceitos e trouxe movimentos únicos para o samba. “Todo mundo tem o direito de sambar do seu jeito. Eu sou gay, não quero sambar como malandro. Quero figurino, quero braços, quero mais. O Salgueiro me deu a oportunidade de ser eu mesmo”.
Campeão de diversas premiações, ele conta que o Morro do Andaraí é a sua conexão com as suas raízes. “Foi onde eu descobri o meu amor pela dança. Foi onde eu cresci. Eu chego no morro e sou tratado que nem popstar. Eu amo, vou levar o Morro do Andaraí comigo para sempre”.
Da Zona Norte para a Zona Oeste, nas ruas da Vila Vintém crescia uma menina cheia de sonhos. Andressa Marinho, aos 7 anos, já trilhava seu caminho como passista da escola de samba Unidos de Padre Miguel. Dentro daquela quadra, ela viveu a profissão passista por anos. “Fui passista a minha vida toda ali dentro. Sempre fui uma componente dedicada à escola.” Hoje, rainha de bateria de sua escola, Dede Marinho, como é conhecida pelos mais próximos no mundo do samba, conta que desde muito pequena sabia que queria viver de dança e que a Unidos de Padre Miguel foi fundamental no seu crescimento. “Passei por dois momentos muito difíceis e a escola me abraçou e me acolheu. Tive uma paralisia facial por choque térmico e tive depressão pós-parto após dar a luz ao meu filho. Tudo ainda como passista. Temos uma frase de um samba que diz ‘o samba é o remédio da alma’ e ele foi o meu”.
De passista a candidata a corte do carnaval, Andressa perdeu o concurso e foi coroada musa da escola por sua comunidade. No ano da volta da UPM ao grupo especial, depois de mais de 50 anos no acesso, Andressa foi surpreendida com a sua coroação como rainha. “Tenho muito orgulho de onde eu vim, de pertencer a Vila Vintém, de representar a minha comunidade. É mágico hoje estar no cargo máximo. É sobre representatividade. É sobre pertencer. Eu vim de baixo. Eu me preocupo em ser uma figura feminina da favela que representa o que a mulher quiser ser. Podemos ser o que quisermos”, conta a rainha.
O samba também funciona como um rejuvenescedor. Prova disso é Dona Roseli, que aos 64 anos esbanja jovialidade. Cria do CPX do Alemão, Zona Norte do Rio, começou a desfilar na Imperatriz Leopoldinense aos 11 anos de idade e nunca mais parou. Ela foi levada pela mãe, que era das alas das baianas e também apaixonada pelo verde e branco.
As plumas e paetês sempre atravessaram sua vida de diferentes formas. Um dia antes de parir o primeiro filho, ela estava se acabando de sambar na quadra. Nem todos os filhos desfilam, mas é quase impossível conviver com D. Roseli e não apreciar o carnaval. Hoje, ela é porta-bandeira da Velha Guarda e carrega com muita honra a faixa de Joia da Coroa, que valoriza sua trajetória na escola de samba.
“A Imperatriz me transformou da água para o vinho. Me fez ser boa mãe, uma ótima esposa, uma boa dona de casa. Então, eu tenho muito amor e muita gratidão pela minha escola. Agora muito mais pelo trabalho que minha presidente da escola e minha presidente da velha guarda estão fazendo. Fico muito feliz de ver a comunidade na escola. Não vejo a hora de passar na Sapucaí”, conta D. Roseli.
De Ramos para a Mangueira, carregar um pavilhão requer muita responsabilidade. Os bailados de uma porta-bandeira vão muito além de uma performance. Requer maestria, força e muita elegância. Assim como Dona Roseli, Deborão de Mangueira aprendeu desde criança. Fruto da Mangueira do Amanhã, ela é a segunda porta-bandeira da verde e rosa. Desde 2006, ela atravessa a Sapucaí sendo ovacionada pela comunidade que a viu crescer envolta na bandeira.
“Quando eu desfilo todos param para me esperar passar. Eu não vou para hotel e nem para lugar nenhum. Minha concentração é no Morro de Mangueira. Vê as mais antigas, pedir uma benção, cuidar de mim, pedir proteção a elas, em todos os pontos. A Mangueira é o meu santuário. Por muitos momentos difíceis que passei na minha vida, eu achei que fosse desistir de dançar. Mas eu tenho uma comunidade que me abraça e que me beija. Eu sou muito honrada de carregar esse pavilhão”, conta Débora.
Na família de Deborão, o amor pela escola de samba é hereditário. Hoje seu filho faz parte da bateria da Mangueira e é mestre de bateria na Mangueira do Amanhã.
A maternidade e o samba se unem de diferentes formas na Sapucaí. Neste ano, por exemplo, a Tati Rosa, musa da Imperatriz e rainha de bateria da Acadêmicos da Rocinha, desfila grávida do primeiro filho.
Cria da maior favela do Brasil, Tati Rosa começou na dança aos seis anos de idade. Até a sua coroação, ela desfilou em diversas alas da Rocinha. Em 2022, veio a era de ouro, ela conquistou o posto de rainha de bateria e estreou na ala de passistas da Imperatriz Leopoldinense. Hoje, além de ser rainha, ela dirige a ala de passistas da Rocinha, posto que já ocupou na Verde e Branco.

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades
Tati atravessa essa dupla jornada com maestria e leveza nas bossas. Seu talento trouxe o reconhecimento do seu trabalho. De maneira que seu samba não cabe apenas no Brasil, mas também mundo afora, colecionando viagens internacionais para dar aula de samba.
No ano de 2025 ela atravessa as avenidas do samba com um baita amuleto da sorte. Nos dias dos desfiles, ela completa oito meses à espera de Luiz Carlos, seu primeiro filho. Preparação, cuidado e amor não faltam para continuar exalando o amor pelos pavilhões neste momento tão especial.
“Esse carnaval vai ser bem especial e inesquecível. Minha gravidez está super saudável. Temos autorização para desfilar. Quando estou nos ensaios não consigo não sambar. Eu chacoalho esse neném e ele adora. Primeiro, a gente precisa viver esse espetáculo que é o carnaval e depois a gente vive esse outro espetáculo que é o parto. O samba é minha filosofia de vida. Poder levar meu samba e a minha verdade para outros países é de grande responsabilidade com a cultura brasileira. Por isso, eu me preparo e estudo para levar isso com muito respeito”, declara Tati Rosa.
Por todo o Rio, em diversas favelas, esses artistas ganham protagonismo e destaque mostrando que o samba e o carnaval correm nas veias e que o maior espetáculo da terra é também favelado e pertence a eles.