Foto: Kamila Camillo / Voz das Comunidades
De repente, fomos tomados por um inimigo que não faz barulho como os tiros, não deixa buraco nas paredes ou pessoas baleadas, mas mata tanto quanto. Até mais. Só que ninguém vê e isso diminui o problema que é a rápida transmissão do novo coronavírus, a COVID-19, principalmente nas favelas e periferias do país. Agora, o confinamento é a nova alternativa para a diminuição dos casos da doença, e deve chegar nas favelas, já que o isolamento social não foi medida suficiente de contenção.
Não é difícil ver da janela pessoas nos bares, nas igrejas ou conversando na calçada, às vezes até sem máscara. A falta de cuidado está atrelada a consciência social, mas não só. Para famílias que não têm direitos básicos e que historicamente lutam por eles, há uma lista de preocupações e a principal é a falta de dinheiro, consequentemente de comida e outras necessidades básicas. Por isso, muitos continuam colocando como prioridade o trabalho, mesmo com o risco de contágio. Outros ficam em casa sem renda aguardam o auxílio emergencial, que ainda não chegou para todos.
Junto à luta cotidiana, temos números assustadores: são mais de 440 casos confirmados de pessoas com coronavírus nas favelas cariocas e mais de 150 óbitos, segundo Painel COVID-19 Nas Favelas (15/05). São números oficiais, mas que podem ser 41% vezes mais, segundo dados coletados por painéis independentes sobre mapeamento de casos em 14 comunidades na cidade carioca. Isso transforma o mapeamento oficial da doença em um deserto de informação de subnotificações.
Por outro lado, existem profissionais que praticam um cuidado que é fundamental neste momento, o cuidado médico entrelaçado com a empatia. Conversando com Dr. Júlio César, médico residente na Clínica da Família Zilda Arns do Complexo do Alemão, ele diz que não há outra solução se não a do isolamento e que essa é uma mensagem universal vinda dos profissionais da saúde. Dr. Júlio também faz parte da equipe que atualiza o Painel de atendimentos e monitoramento de casos na CF Zilda Arns.
Fiscalizando o confinamento com a polícia
Com mais de 240 mil casos confirmados no Brasil, a decisão de colocar ou não a medida rígida de confinamento – lockdown – está sendo feita pelos Estados e Municípios, como preferiu o Ex-Ministro da Saúde Nelson Teich. A Prefeitura do Rio decidiu experimentar a ideia nas favelas e exigiu o fechamento do comércio não-essencial por uma semana a partir de 12 de maio, permitindo apenas o funcionamento de mercados e farmácias nas favelas cariocas. A prioridade é da Rocinha, com o maior número de casos e óbitos por COVID-19.
Para entender mais sobre o que vai acontecer depois disso, falei com a Secretaria de Ordem Pública e fui informada que as ações de fiscalização nas comunidades serão realizadas pela PM por meio de apoio solicitado ao Governo do Estado para o uso das UPPs. Sim, a política de segurança falida que conhecemos.
Ainda segundo a Secretaria, nas áreas onde não há UPPs o trabalho será feito por meio de planejamento conjunto com a Polícia Militar, figura mais opressora que a favela tem no seu histórico de luta e existência. Em fiscalizações já feitas na Rocinha, agentes de outros setores como o de Vigilância Sanitária também participaram da ação. Não à toa, viver na favela é estar exposto e ter a consciência dos riscos, das potências e de tudo o que faz diferente esse contexto social de luta e de vulnerabilidade.