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#ArtigodeOpinião – Favela e cultura: criamos aquilo que sempre nos foi negado

É muito importante entender o impacto socioeconômico que a cultura da favela causa. Se para alguns o fato de acontecer um baile funk é uma balbúrdia e pretexto para operação policial, para outros é a forma de ter acesso à arte, se divertir e fazer dinheiro.
Evento de sessão de cinema para as crianças do Complexo, realizada no Konteiner / Foto: Renato Moura

O ano de 2020 começou com (mais) uma grande polêmica no atual governo: o então secretário de Cultura Roberto Alvim fez, no dia 17 de janeiro, um discurso com citações Nazistas e tentou passar a ideia de fortalecimento de uma cultura nacionalista que tem, claramente, fundamentos religiosos e partidários. Isso deixa evidente o preconceito existente com outras formas de cultura – como indígena, periférica etc. Mas a verdade é que todas as formas culturais de uma sociedade são igualmente importantes.

Afinal, o que é cultura? 

Do ponto de vista antropológico, tendo como base o texto “Você tem cultura?” de Roberto da Matta, a cultura não é uma hierarquia de civilização, mas sim a maneira de viver de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Ou seja, é completamente equivocado quando falam que “o povo indígena não é culto” ou que “fulano não tem cultura”. Todos os indivíduos, sociedade ou grupo têm sua própria cultura. Não existe uma cultura “pior” ou “melhor”. 

Essas falas preconceituosas se referem à cultura a partir do nível educacional ou escolar das pessoas. Erradamente, tratam como cultura o volume de leituras, quadros e pintores que conhecem, títulos universitários e até mesmo a habilidade para realizar certas operações mentais e lógicas – o que define a inteligência. 

É importante saber que cultura não é algo que simplesmente se escolhe. Você nasce em um ambiente – país, região, estado, bairro – que terá a sua própria cultura. “As regras que formam a cultura é algo que permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem“, afirma Da Matta. 

Favela e sua cultura

Museu da Maré / Foto: Wikipedia

A produção de movimentos artísticos próprios por parte da favela aumenta cada vez mais. Uma das causas é a grande dificuldade de acesso dos moradores aos museus, teatros e cinemas. A maior parte destes aparelhos culturais se encontra nos bairros nobres ou na região central do Rio de Janeiro e não nas periferias. De acordo com o site Museus do Rio, as regiões chamadas de “Área de Planejamento 3” – Del Castilho, Engenho Novo, Ilha do Fundão, Manguinhos, Maré, Penha e Piedade – e “Área de Planejamento 5” – Bangu, Barra de Guaratiba, Deodoro, Santa Cruz e Sulacap – têm, somadas, apenas quatro museus ou centros culturais: Museu da Maré, Museu da Vida, Museu Aeroespacial e Sítio Roberto Burle Marx. Já a “Área de Planejamento 1” – Caju, Catumbi, Centro do Rio, Cidade Nova, Gamboa, Lapa, Mangueira, Rio Comprido, Santa Teresa, São Cristóvão – é contemplada com 36 museus e centros culturais.

Até mesmo as Lonas Culturais, que foram criadas para democratizar o acesso à arte pelas Zonas Norte e Oeste, passam por diversos problemas e já chegaram a ficar meses sem receber verba da prefeitura. Para piorar, o atual governo pretende acabar com o direito dos estudantes à meia-entrada. Ou seja: além da dificuldade de acesso devido à distância, nós da favela teremos ainda mais restrições por motivo financeiro.

Jongo da Serrinha / Foto: Cris Isidoro-Diadorim Ideias

É muito importante, então, entender o impacto socioeconômico que a cultura da favela causa. Se para alguns o fato de acontecer um baile funk ou uma roda de samba é uma balbúrdia e pretexto para operação policial, para outros é a forma de ter acesso à arte, se divertir e fazer girar a economia dentro da favela. Portanto, é enorme a importância de eventos como rodas culturais, batalhas de mcs, slam, baile funk, rodas de samba, roda de jongo etc. A favela mostra que produz cultura através de projetos como o Ballet Manguinhos, Slam Vila IsabelBatalha do Coliseu, Jongo da Serrinha, Museu da Maré, entre outros. Parte desta cultura já tem a sua força reconhecida, como por exemplo o passinho, que virou patrimônio cultural do Rio de Janeiro após a aprovação do projeto de lei Nº 390/2017.

A nossa cultura precisa ser valorizada cada vez mais. Não apenas por ajudar a livrar pessoas do tráfico, alimentar a economia local e dar protagonismo a quem geralmente não é visto, mas também porque o acesso à cultura é um direito básico para todas as pessoas. Uma das grandes questões ainda é a falta de verba para financiar os eventos ou projetos. Entretanto, como sempre, a favela se mostra resiliente e segue se virando para pulsar fortemente.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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