Texto: Gabi Coelho, Beatriz Diniz, Mariana Assis, Kananda Ferreira, Marcelo David Macedo, Ygor Pinheiro, Rick Trindade.
Edição final: Gabi Coelho e Beatriz Diniz.
Nós, colunistas do Voz das Comunidades, somos defensores de direitos humanos, principalmente de moradores de favelas e periferias que estão sendo criminalizados pela estrutura da política pública executada pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Antes que você chegue com o seu ódio gratuito, defendemos sim crianças, jovens, mães, avôs, todos os moradores que trabalham diariamente para que a cidade funcione.
Se a favela não sai pra trampar, a cidade para. Ainda assim, a elite ingrata vira a cara, mesmo sendo dependente de quem trabalha e é criminalizado todos os dias. O que o Estado vem fazendo diariamente com a população pobre e de maioria preta que mora nas favelas e periferias é uma política de extermínio. E se engana quem acha que somente quem sofre com esses ataques deve se manifestar.
Esse manifesto é para unir vozes, não só as nossas, colunistas do Voz das Comunidades, mas também a sua. Você é uma parte importante na denúncia das violências que os moradores de favela estão sofrendo. A nossa responsabilidade social, enquanto comunicadores e ativistas, está interligada ao que acontece nesses territórios. O silêncio pode parecer inofensivo, mas ele também contribui para que casas continuem sendo invadidas, para que crianças percam aulas e para que vidas sejam interrompidas, como se não tivessem importância.
A política de Segurança Pública nas favelas é chamada de guerra para oficializar o uso da força, do medo e da repressão dentro dos territórios como uma “solução efetiva”. É o “mira na cabecinha”, é o abate, é tiro do helicóptero, é o inadmissível. As operações e ações violentas da polícia nas favelas destroçam a dignidade, a saúde mental e a cidadania dos moradores. Além disso, desrespeitam direitos e afetam famílias com traumas e mortes de inocentes. São Direitos Humanos como moeda de troca em nome de uma proteção seletiva que segrega, marginaliza e mata.
Historicamente, a favela é tratada como um problema da cidade através da centralização do ódio e não como uma solução pela construção social, democratização, pelo combate à desigualdades e pela afirmação dos direitos humanos. Dentro das favelas existem protagonistas da sua própria existência usando ferramentas, como cultura, educação, arte, lazer, esporte, economia, como instrumentos de transformação social, intervenção na ausência de políticas públicas e potencialização de narrativas que mostram como a vida e a história dos moradores é muito mais que violência.
Um governo que entende a favela como um alvo assume o risco de que certas vidas, no fim das contas, não importam, e que nada que seja favelado é digno de respeito, nem mesmo uma criança. Ágatha Félix, de 8 anos, foi baleada na noite desta sexta-feira (20) no Complexo do Alemão, enquanto voltava pra casa com a mãe. Segundo testemunhas, um policial desconfiou de uma moto que estava passando e atirou. Foi quando o tiro atingiu a kombi em que a pequena Ágatha estava. Tiro que acertou suas costas. Tiro que interrompeu sua vida. O tiro que queremos saber o nome e sobrenome de quem estava com aquela arma.
Dezenas de casos que não são isolados semanalmente no Rio de Janeiro e, não se enganem, o mesmo acontece em todo o país. Enquanto o governador do Estado coloca a fantasia que quer, neste momento, pessoas são mortas durante operações comandadas por forças de segurança que agem em nome dele, que sonha ser presidente.
Pessoas morrem enquanto governadores sonham. Em que cenário isso é aceitável?
Até o dia 26 de setembro de 2019, data em que o Manifesto do Voz está sendo publicado, cerca de 17 crianças foram baleadas na região metropolitana do Rio de Janeiro – dessas, cinco morreram. É fundamental entendermos que o discurso que “mira na cabecinha” promove mais tiros, mais sangue e menos ações realmente eficazes que combatam a criminalidade.
Reduzir a morte de pessoas a mero “efeito colateral” é, no fim das contas, a política promovida por um governo cujas ações se configuram como racistas, que defende até que mísseis sejam disparados em direção às favelas, como o governador afirmou recentemente em uma fala sobre a Cidade de Deus, favela da Zona Oeste do Rio.
Quando uma filha, um avô, uma prima, um pai morrem baleados na favela, não morrem sós. Levam familiares, sonhos, talentos e potencialidades que fazem de um espaço periférico um lugar de muita luz, resistência e diversidade. Quando um governo realiza dia sim, dia também, invasões truculentas, está dando um recado: “não gostamos de vocês”.
Uma polícia que mata também morre, e isso não resolve absolutamente nada. Em um levantamento feito pelo Fantástico, em média, 43 policiais são afastados por dia de suas funções por transtornos mentais. Quem sente segurança ao saber que uma polícia mata sem controle porque seus agentes estão pelas ruas sem condições psicológicas?
Uma das regras dentro do Voz das Comunidades é buscar não falar somente sobre violência nas favelas. Ao invés disso, buscamos sempre ressaltar todos os vários aspectos positivos nas comunidades. Mas, neste cenário de extermínio, os papéis são bem nítidos: você pode estar do lado de quem mata ou do lado de quem morre. Ficar em cima do muro não pode ser uma opção quando inúmeras vidas estão ameaçadas e, inclusive, já estão sendo perdidas há um bom tempo.
E nenhum dos lados ganha, muito pelo contrário, ambos só perdem. Esse é o resultado da política de guerra às drogas, a falsa sensação de segurança às custas do sangue de quem não tem privilégio nem para poder viver. Mesmo que a violência não defina o que é favela e periferia, tem sangue escorrendo pelos nossos becos. Não adianta fingir que está tudo bem. Por isso pedimos: parem de nos matar.
Também denunciamos na ONU
Na última terça-feira, dia 24 de setembro, denunciamos na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, as ações truculentas do governo. A carta foi assinada pelo Voz das Comunidades, pela Justiça Global, Conectas e Redes da Maré. Leia:
Sr. presidente,
A Declaração de Durban insta os Estados a realizar investigações para examinar possíveis ligações entre violência policial e racismo e tomar as medidas necessárias para a erradicação de práticas discriminatórias.
Infelizmente, no Brasil isso não é uma realidade. Na última sexta feira, 20 de setembro, Ágatha Felix, uma criança negra de oito anos de idade foi morta a tiros durante uma operação policial na favela do Alemão, no Rio de Janeiro. Segundo testemunhas, o tiro veio de policiais. Jenifer Gomes, 11 anos, Kauaã Rozário, 11, Victor Almeida, 7, entre outros, são as pelo menos 16 crianças baleadas durante operações policiais no Rio de Janeiro somente em 2019, segundo o Fogo Cruzado. Esta declaração é em memória deles.
Denunciamos ontem no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, as violações cometidas com moradores de favelas e periferias do RJ e o assassinato da pequena Ágatha Félix, baleada com um tiro nas costas, no dia 20/09.@vozdacomunidade @justicaglobal @conectas @redesdamare pic.twitter.com/vKot1Mz6D9
— Gabi Coelho (@gabicoelho) September 26, 2019
Essa política de atirar para matar é incentivada pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Ele prometeu dar poderes policiais para abater criminosos armados durante sua campanha. Isso agora se torna realidade, já que os assassinatos policiais no Rio atingem um novo recorde histórico todos os meses. De janeiro a agosto de 2019, 1249 pessoas foram mortas pela polícia no estado de acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. O alvo é sempre o mesmo: negros jovens e pobres, que moram nas favelas da cidade e do estado.
Pedimos à comunidade internacional que se manifeste contra esse banho de sangue racista desencadeado pelo governador Witzel no Rio. Também pedimos ao governo e ao Congresso brasileiros que se abstenham de aprovar um projeto que está sendo discutido para reduzir a responsabilidade dos agentes de segurança pública que matam pessoas enquanto conduzem operações.
Obrigado.