Texto: Gabi Coelho
Eu precisei do silêncio da madrugada para escrever sobre o grande jornalista Ricardo Boechat. Tenho vivido dias angustiantes na vida profissional, devido a tantos acontecimentos no meu estado (Minas Gerais) e no estado em que eu escolhi iniciar minha vida jornalística (Rio de Janeiro). Nas últimas semanas perdemos pessoas, animais e boa parte da natureza mineira num crime ambiental. Logo depois, o descaso da Prefeitura com as favelas e periferias cariocas veio à tona mais um vez com uma enchente na Rocinha e no Vidigal que desabrigou dezenas de famílias, interrompeu histórias, sujou de lama os corações de um povo sonhador que não desanimou nenhum segundo ao tentar reerguer cada local da favela – com a ajuda de muitos, de dentro e fora desses territórios. E 2019 apenas começou… Infelizmente perdemos 10 jovens talentos do futebol, também pela irresponsabilidade e ganância do ser humano. E no mesmo dia, outras 13 pessoas foram assassinadas numa guerra inútil às drogas.
É triste, é pesado. Ontem, às 07h30 eu ouvi Boechat falando sobre as tragédias e os crimes ocorridos logo no início do ano. Aquela opinião de quem colocava a direita e a esquerda contra a parede, também era a minha. Ninguém pode sair impune de todas essas dramáticas e dolorosas situações. Horas depois, sem saber que estava se despedindo dos seus ouvintes e admiradores, Boechat não resistiu à queda do helicóptero no qual estava. Eu vi as primeiras publicações de jornalistas da revista Veja e do jornal O Globo no Twitter. Não era nada oficial, ninguém queria acreditar. Vi pela primeira vez jornalistas com anos de carreira questionando nas redes sociais, mas não afirmando nada, mesmo sabendo que 99% da informação era verdadeira. Eu senti o aperto no peito e a esperança, de não ser real, na escrita dos meus colegas de profissão.
E em poucos minutos os telefones não paravam de tocar. Ligações de uma amiga próxima a ele, pessoas desacreditadas comentando nos grupos de Whatsapp, as publicações nas redes sociais e com certeza dentro dos lares de familiares e amigos. Uma perda irreparável pra nós, comunicadores que entendem a real função social da nossa profissão, assim como Boechat entendia. Era nítido. Vocês, meu caro e minha cara, podem até não concordar com tudo que ele dizia e fazia, mas Ricardo Boechat era essencial pra nossa democracia, pra manter acesa a chama do jornalismo que tem credibilidade e compromisso com o público, pra todos os brasileiros que tiveram a honra de dizer que o argentino mais brasileiro que nós conhecemos escolheu Niterói pra construir a vida, depois abraçou São Paulo e não nos largou nunca mais. Viveu e morreu em nossa história.
Sou uma das jornalistas que aprendeu com Boechat. Não tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, mas assim como ele e tantos outros, vai sempre me inspirar. Deixou um lindo legado. Era um homem que se reinventava a todo momento. Saiu do jornal impresso, se jogou na tv e mergulhou no rádio. Sempre humilde, lúcido, crítico, sensível, entendia com quem estava falando, o seu público. O nosso povão. E como eu passei o dia angustiada, diante de muitas notícias ruins em apenas poucas semanas, tentei evitar de acompanhar o Jornal Nacional. Sabemos que, quando o assunto é mexer com o nosso emocional, as reportagens televisivas fazem isso com maestria. Mas eu não resisto, sou como Boechat, quero sempre estar por dentro das notícias, seja qual for o acontecimento.
Como já previsto, chorei muito, de soluçar. Doeu perder esse grande jornalista, mas acredito que fiquei mais emocionada quando vi que ele era mais ‘gente como a gente’ do que eu imaginava. Ele, assim como eu, começou a trabalhar quando ainda era adolescente. O argentino criado na cidade maravilhosa – a mesma em que eu iniciei minha carreira – se entregou ao sonho de ser comunicador e aprendeu na prática que jornalismo se faz ao vivo. Seja nos grandes veículos ou frente a frente com centenas de histórias que escutamos ao longo da vida, o importante sempre foi fazer. E fazer com excelência e responsabilidade.
Ah, meus queridos… Como eu queria que Ricardo Boechat estivesse lendo esse texto de uma grande admiradora do seu trabalho e pudesse ver o quanto a minha geração vem fazendo muito pela nossa amada profissão. A ele, que segue em nossas memórias e corações, eu deixo um muito obrigada e a confirmação de que seguiremos firmes e fortes pra manter a chama do jornalismo acesa. Cumprindo nosso papel social e fortalecendo cada vez mais quem está chegando pra completar esse time, em que Boechat será eternamente um dos jogadores. Assim como tantos outros que se foram e também aqueles que estão entre nós, fazendo pelos nossos. Toca o barco.