Foto: Rio on Watch
“Queremos dizer que os nossos mortos têm voz. Que as nossas vidas valem muito… Que os nossos filhos têm sonhos, que os nossos filhos têm o direito de viver… Estamos aqui para mostrar a vocês que o mês de maio é o mês das mães e, enquanto as mães estão chorando os seus mortos, nós estamos aqui para mostrar para a sociedade que os nossos jovens são jovens sonhadores e acima de tudo brasileiros.” Esta foi uma fala que ecoou em manifestação do II Encontro da Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo do Estado, no Centro do Rio de Janeiro, em maio de 2017, segundo informações do portal Rio on Watch. Em 2018, a violência de Estado permanece e mães continuam perdendo seus filhos, tanto é que no dia 16 de maio ocorrerá o III Encontro da Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo do Estado, a ser realizado em Salvador (BA), segundo o portal Brasil de Fato.
Dentre as organizações de mães atuantes no Brasil, destaca-se a rede Mães de Maio, que surgiu em 2006 após a morte de pelo menos 564 pessoas no estado de São Paulo no período de 12 de maio a 21 de maio, sendo 94% sem antecedentes criminais, segundo fonte da Secretaria Especial de Direitos Humanos (2014). Essa sequência de execuções ficou conhecida como Crimes de Maio e totalizou, em menos de 10 dias, mais mortes do que em 21 anos de Ditadura Civil-Militar, como destaca o portal Brasil de Fato.
No Rio de Janeiro, também na luta contra a violência do Estado, existe a organização Mães de Manguinhos, que recebe apoio das Mães de Maio. Ana Paula, mãe de Johnatha Oliveira, morto aos 19 anos por policiais em 2014, disse em reportagem para a Agência Brasil, da EBC (Empresa Brasil de Comunicação): “mês das mães é um mês bem difícil para a gente: uma mãe que teve um filho arrancado dessa forma tão covarde, tão injusta.”
Esses e outros movimentos (e suas motivações) protagonizados por mães em todo o Brasil mostram que a desigualdade racial e social está presente, inclusive, nas comemorações que parecem, a princípio, unir raças e classes. O dia das mães de uma mãe preta e favelada é diferente do dia das mães de uma mãe branca de classe média. E essa diferença amplia ainda mais quando estamos falando de mães pretas e faveladas que perderam seus filhos para a violência.
Esses movimentos mostram, ainda, que o engajamento político-social tem chegado com mais força nas favelas. Esse engajamento tem chegado com urgência, como consequência direta da morte de pessoas negras e faveladas.
A seguir, trecho da carta escrita pelas mães no I Encontro Internacional de Mães de Vítimas da Violência do Estado, que pode ser encontrada completa aqui. Que a gente valorize e apoie a luta dessas mães. Que a gente valorize e apoie a luta pela vida nas favelas. É urgente.
Nós somos Mães.
Nós somos Mães Negras, Mães Indígenas, Mães Trabalhadoras, Mães Pobres, Mães de Favelas, Mães Periféricas: Nós somos Mães Guerreiras!
Nós somos Mães Sem-Teto, Mães Sem-Terra, Mães Donas de Casas e de Barracos, Empregadas ou Desempregadas, Mães de Secundaristas em Luta, Mães de Poetas e Mães Poetisas, Mães de Presidiários e Mães no Cárcere: Nós somos Mães Quilombolas!
Nós somos Mães de São Paulo, do Rio de Janeiro, da Bahia, de Minas, Guarani Kayowá do Mato Grosso do Sul; Mães Mogianas, de Osasco, de Manguinhos e das Baixadas, de todos os cantos: Nós somos Mães de Maio, de Junho, Julho e de todos os meses do ano!
Nós somos Mães Africanas, Mães das Favelas Brasileiras, Mães dos Estudantes Desaparecidos de Ayotzinapa (México), Black Mothers das #BlackLivesMatter dos EUA, Mães das Vítimas do Estado Colombiano, Madres e Abuelas da Ditadura Argentina, Mães da Faixa de Gaza (Palestina), Mães dos Rappers Presos em Angola, Mães da Paz e da Guerra de Libertação do Povo Curdo, Mães Latinas, Mães Asiáticas, Mães Norte-Nordestinas, Mães Retirantes, Mães Refugiadas: Nós somos Mães Sem-Fronteiras!
Nós somos Pais também. Somos Avôs e Avós, Irmãos e Irmãs, Filhos e Filhas: Nós somos Familiares de Vítimas de todas as formas sistemáticas de Violência do Estado que vocês possam imaginar…
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<<LUTO>> para nós sempre foi verbo e substantivo, desde que nós nascemos. Nós lutamos desde sempre, desde muito antes, e nunca deixaremos de encarar de frente os inúmeros lutos cotidianos que sempre nos foram impostos com muita violência.
Nós fazemos parte da ampla maioria da população que, historicamente, o Sistema Racista Capitalista sempre fez questão de impor dois únicos destinos “inevitáveis”: a opressão e exploração do trabalho até arrancarem a última gota de suor de nossos corpos e sangue das nossas almas – de nós mesmas e de nossos familiares; ou, quando não servimos mais para os seus interesses capitalistas da vez e enquanto a guerra seguir dando lucro: o descarte, o extermínio, e o permanente GENOCÍDIO que insistem em cometer contra nós, por diversos meio$.
Para eles nós somos meras estatísticas…
[Lembrem-se: Nós somos Mães. Todos vocês têm Mães. Nós não combinamos com Morte. Nós somos Vida].