Na turbulenta eleição americana, disputada pelos dois mais velhos –e, provavelmente, mais polêmicos- candidatos da história, a liberação do histórico médico dos competidores tem sido um ponto muito discutido. E o ciclo de eleições municipais de 2016 parece ser o momento perfeito para trazer essa discussão ao Brasil.
Apesar de ninguém se lembrar disso durante a eleição, a principal função do vice de um candidato é substituí-lo quando necessário. A substituição pode se fazer necessária em caso de afastamento por motivos de doença, por conta de acusações de corrupção, em caso de impeachment, ou mesmo no pouco lembrado, mas possível, caso de morte do cabeça da chapa. Nada disso afeta a condição do vice de substituto natural do candidato principal, mas é importante lembrar que, ao elegermos um candidato, esperamos que ele pessoalmente cumpra o mandato até o fim, com o mínimo de interrupções possível.
Não podemos prever diretamente no momento da votação se um candidato será afastado por suspeitas de corrupção ou se algum processo de impeachment será levado adiante durante sua gestão. Mas conhecer a fundo seu histórico médico é uma forma bem eficaz de saber que a probabilidade dele falecer ou ser afastado para tratamento de doença é mínima. Nossos dois últimos presidentes tiveram câncer, e por uma margem temporal muito pequena suas doenças não afetaram os mandatos: Lula foi diagnosticado em 2011, menos de um ano depois de deixar a presidência, e Dilma em 2009, ano anterior à sua campanha eleitoral. Este ano, Pezão, o governador do Rio de Janeiro, precisou ser afastado, também para tratar de um câncer; seu vice assumiu o governo do estado enquanto isso.
Revelar seu histórico médico completo, realizando inclusive baterias de exames no período pré-eleitoral é uma ferramenta muito importante de transparência, tanto para os candidatos quanto para os eleitores. Na eleição de 2010, Dilma foi alvo de muita especulação acerca de seu câncer recém curado; más línguas espalharam que o câncer não estava totalmente sob controle e que sua saúde estava bem frágil. Como sabemos, sua saúde não foi empecilho para o exercício do mandato, e ela se submeteu a uma série de boatos que poderiam ter-lhe custado a eleição. Ao mesmo tempo, se o câncer realmente não estivesse sob controle, seria direito do eleitorado saber das minúcias da doença: o quão grave e quão comprometedora seria, de que forma poderia afetar o mandato e as atividades presidenciais, qual o prognóstico, se deixaria sequelas, e até mesmo qual a probabilidade de morte. A vida dos políticos deve ser pública e transparente, e isso inclui qualquer informação sobre sua saúde que pode vir a afetar seu desempenho no ofício público.
Na eleição americana, o Republicano Donald Trump acusa a rival Hillary Clinton de não ter “a saúde física ou mental para exercer a presidência”. A saúde mental, como a física, pode também trazer limitações para um candidato exercer seu mandato. Da mesma forma que qualquer cidadão se submete a um exame psicotécnico para obtenção de sua Carteira Nacional de Habilitação, é um gesto importante de transparência dos postulantes a qualquer cargo público revelar seu histórico psicológico ou psiquiátrico. Uma série de problemas, da depressão ao autismo, da síndrome do pânico à esquizofrenia, podem tornar um gestor inapto ao exercício de sua função. Levando em conta que a depressão, por exemplo, atinge cerca de 10% de toda a população mundial, é bem razoável que nos preocupemos com problemas como esse. A falta de energia que uma depressão mal controlada pode levar à gestão de um prefeito certamente pode comprometer os resultados do município. Além disso, os remédios antidepressivos são psicotrópicos, trazendo efeitos colaterais que podem interferir diretamente nas habilidades mentais ou físicas do paciente, de modo que, inclusive, seu julgamento para a tomada de decisões importantes pode ficar comprometido. A questão posta é que nenhuma dessas doenças é, por si só, incapacitante, mas sim que tem potencial de ser; desse modo, a existência de uma condição desse tipo deve ser de conhecimento público, de modo que a população possa julgar sua relevância e possíveis consequências.
Enquanto profissionais da vida pública, os políticos tem o dever de publicitar qualquer aspecto de suas vidas que possam interferir no pleno exercício de suas funções. E a saúde é definitivamente um desses aspectos. Nessas eleições, cobremos de nossos candidatos seus históricos médicos completos. É mais uma medida de transparência para garantirmos o máximo de desempenho dos nossos representantes. E também de evitar surpresas desagradáveis.