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O Buraco do Getúlio e seus dez anos de histórias

Pra começo de conversa, precisamos pontuar que não estamos falando de uma super mega estrutura financiada por empresas e tudo mais. Não estamos falando de uma atividade popular gigante que arrasta multidões, custeadas pelos cofres públicos. Mesmo assim, o Buraco do Getúlio é um elemento fundamental para a construção de uma Baixada Fluminense melhor, tendo mobilizado pessoas para a aprovação (e queda) de leis, construção de políticas públicas, referência para produção cultural na região metropolitana do Rio de Janeiro e revelação de talentos criativos. Como isso é possível?

Ao invés de contar toda a história do “BG”, o que é quase impossível, vou contar um pouco do que ele representa pra mim.

O Buraco do Getúlio congrega pessoas dispostas a pensar uma sociedade mais afetuosa e capaz de aceitar as diferenças.

A primeira vez que fui numa sessão do Buraco do Getúlio não fiquei mais de uma hora. Uma turma que já se conhecia, em comunhão, ocupando o Ananias Bar. Filmes eram exibidos numa tela esticada do lado de dentro do boteco, enquanto uma turma prestava atenção e uma outra estava do lado de fora batendo papo e tomando uma cerveja. “Pessoal doido”, pensei, sem entender a razão de exibir um filme num bar enquanto um montão de gente não assistia.

Sem conhecer quase ninguém, resolvi ir embora e fiquei com aquela imagem na cabeça, da galera papeando e o filme rolando, e aquela profusão de sentimentos no ar e coisas acontecendo ao mesmo tempo.

Circulando mais pela cidade e conhecendo mais gente, as poucas vezes que consegui colar no BG passaram a fazer um pouco mais de sentido pra mim. E aí compreendi, ao longo do tempo, que aquele espírito de comunhão era a essência do Cineclube Buraco do Getúlio. Aquele Cineclube, assim como o Mate e o Guerrilha, não se tratava de exibir filmes apenas. Os filmes eram uma boa desculpa para reunir pessoas, congregar intelectuais, tornar-se espaço de discussão e reconhecimento entre aqueles que têm capacidade de transformar.

Além das sessões tradicionais no Ananias e na Praça dos Direitos Humanos, posso dizer que estive em sessões no mínimo inusitadas do BG. Teve a vez que rolou a manifestação contra a homofobia, por exemplo, em resposta a um grupo de motociclistas que oprimiu um homossexual. Era nitidamente uma sessão do Buraco, mas dessa vez sem filmes: “só” a militância. Teve uma outra vez em que o BG abriu a programação do Beco Festival, num lance bem solar, good vibes e tudo mais: “só” o afeto. Teve mais um tantão de vezes que, circulando por coisas que rolam em Nova Iguaçu, me deparei pensando “caraca, parece que tô no BG”: era “só” a comunhão.

Hoje compreendo o Cineclube Buraco do Getúlio como um verdadeiro zeitgeist da juventude iguaçuana da virada do século. É o espírito de época de uma sociedade insatisfeita com o rumo que as coisas tomaram pra direita. É o ponto de encontro de pessoas que compartilham das mesmas ideias e sentimentos e querem uma sociedade prafrentex.

Vida longa ao Buraco do Getúlio e a todas as pessoas que fazem parte dessa história, seja desde o início, seja desde a última edição. Que todas as gerações continuem se encontrando e trocando entre si os saberes de diferentes tempos.

Página do Buraco do Getúlio no Facebook: https://www.facebook.com/buracodogetulio/

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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