“Passaram o cerol na Tia Lia”. Essa foi uma frase dita por alunos do sétimo ano após saberem que uma de suas professoras – a mais querida deles – tinha sido sequestrada e morta. Não se tratava de crianças com algum tipo de distúrbio mental, eram bem normais, com a impulsividade pica de quaisquer jovenzinhos. Na verdade, estavam sendo vímas da banalização da violência, mal tão cruel quanto silencioso.
No caso dos alunos da professora Lia é possível perceber que tudo contribui para que os atos violentos deixem de causar horror, repúdio e indignação, seja pela frequência desses acontecimentos, seja por acontecerem cada vez mais perto da população – mais precisamente na porta de suas casas – ou pela crescente espetacularização da violência promovida pela mídia brasileira. Essa, em nome da audiência ou de venda de jornais, agride todos os dias os cidadãos com suas manchetes repletas de sangue e terror. Como urubus, farejam e devoram todo tipo de barbaridade e escancaram para os que querem e para quem não deseja se deparar com imagens chocantes.
Não se prega aqui tirar o direito de imprensa ou promover qualquer tipo de censura, mas o espetáculo diante de cenas violentas deve ser repensado com olhar voltado para a ética e para a relação da imprensa com a sociedade.
Uma vez “amaciada”, pelo contato direto com a violência, a população deixa de vê- la como algo estúpido, agressor e fomentador de desgraças, ao menos não na intensidade que deveria enxergar. Isso fica claro quando um cadáver caído em uma esquina não mais assusta, quando se passa por ele e o olhar é no máximo de nojo, como se fosse mais um lixo largado por um morador menos cuidadoso. A banalização de que se fala faz com que se tolere o intolerável, que se aceite o inaceitável “- Porque não tem jeito mesmo”, diz um, “Porque é assim mesmo”, retruca o outro. E assim, vamos aceitando viver com medo, não sair ou chegar em casa em certos horários. Chega-se à insensatez de dizer que fulano, ao ser assaltado e ter o celular levado, “deu mole”. Não, ele não deu mole, exerceu apenas o direito de estar com o que quiser no lugar e na hora que desejar.
Chegou-se ao ponto de por a culpa na vítima. Diz-se que as pessoas moram mal, moram em lugares ruins. Ninguém mora mal, é o mal que vai até elas.
Faz-se necessário combater a violência não apenas com a polícia, mas com o debate nas comunidades, nas escolas. Pensar a violência, suas causas e seus efeitos é também arma eficiente, em muitos casos a única que poderia funcionar. Diante do estado de caos ao qual somos submetidos, aceitá-lo como normal não é nada normal, ainda que tudo ao redor faça crer o contrário.