Texto: Barbara Machado | Fotos: Selma Souza
“O amor não é ferir, o amor não mata. O que mata é o ego, o egoísmo, o desejo de posse, o poder em escravizar uma pessoa num relacionamento. Isso, sim, mata”.
Kelly Cristina
A fala acima é de uma vítima de um homem agressivo. Kelly Cristina, mulher negra, de 35 anos, moradora do Complexo do Alemão, viveu diversas formas de violências praticadas pelo pai de seus três filhos. Os dados da pesquisa “Violência contra mulheres e letalidade feminina no Rio de Janeiro”, realizada em 2022, pelo Observatório de Favelas, com apoio da Open Society Foundations, evidenciam que Kelly não é um caso isolado. Segundo a pesquisa, em 2020 o estado do Rio de Janeiro registrou 270 tentativas de feminicídio, sendo 197 praticadas por indivíduos que mantinham relação afetiva com as vítimas, o que representa 73% dos casos.
Não há dados que especifiquem o local de moradia das vítimas de feminicídio. Ainda assim, acredita-se ser a mulher favelada a que mais tem dificuldade de acessar os meios de proteção contra violências domésticas. Isso porque, devido à existência de um poder armado nesses territórios, a vítima fica desencorajada de procurar ajuda policial. Alguns casos não chegam a ser notificados. A patrulha Maria da Penha, responsável por fiscalizar o cumprimento da Medida Protetiva de Urgência, não costuma entrar em favelas.
É necessário políticas públicas que garantam a essas mulheres o direito à vida. A dificuldade de obtenção de uma renda básica, segurança alimentar, mobilidade urbana, vagas em creches e escolas próximas ao local de moradia colaboram com a violência de gênero. Porque não permitem que a mulher rompa com a dependência econômica em relação ao seu agressor.
O feminicídio é o ponto mais extremo da violência de gênero, mas existe um ciclo de violências que antecedem esse crime. São elas:
- violência patrimonial (retenção, subtração ou destruição de qualquer objeto ou bem pertencente à mulher);
- violência moral (calúnia, difamação ou injúria contra a honra da vítima);
- violência psicológica (humilhações, ameaças, constrangimento, manipulações, xingamentos, imposições e proibições).
“Como eu sempre quis ter um filho, ele falava que eu não poderia, que eu era seca por dentro. Falava ‘você não presta nem para me dar um filho’”. Os filhos vieram e as agressões continuaram. “Ele se fazia de coitadinho e dizia que ia mudar. Eu achava que filho tinha que ser criado com pai e mãe. Voltava”.
Kelly conseguiu se desvencilhar dessa relação tóxica. Não faz parte dos dados que apontam que em 2019, 55% das vítimas de feminicídio eram negras, assim como 63% daquelas que sofreram tentativas (Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro). “Eu tive a oportunidade de viver; outras mulheres não. O medo de sair não pode ser maior que a sua vontade de viver.”
Conheça alguns locais de atendimento para as mulheres em situação de violência na cidade do Rio de Janeiro:
MEAA (Mulheres em Ação no Alemão)
(21) 998362188
[email protected]
CEAM Chiquinha Gonzaga
Rua Benedito Hipólito, 125 – Centro
(21) 2517-2726 / 98555-2151
Casa da Mulher Carioca Tia Doca / NEAM
Rua Júlio Fragoso, 47 – Madureira
(21) 2452-2217 / 3796-0228
Casa da Mulher Carioca Elza Soares
Rua Marechal Falcão da Frota, n. 1782 , Padre Miguel
Ajuda:
180 – Escuta e Acolhida | 190 – Emergências | 1746 – Assédios e Agressões