Três gerações brincando no meio de lixos pedem praça para diversão. Desde 1979, quando nasceu a operadora de caixa e manicure nas horas vagas Julia Borges, existe a esperança de ter uma área de lazer na região da Travessa Sonora. Centenas de crianças de muitas gerações passaram pela mesma situação que vivem hoje os filhos de Julia.
Se alguém disser que essas crianças não são felizes, é mentira. Elas correm pra um lado, depois correm pro outro. Estão sempre muito alegres e unidas em todo lugar. As brincadeiras são criadas na hora e todo dia surge uma nova. Criatividade é o que não falta, viu?! Mas essas crianças acabam correndo riscos muito graves ao escorregar num colchão e cair num lugar cheio de cacos de vidros ou até mesmo de brincar com vergalhões das obras inacabadas que ficam expostos nos terrenos baldios.
Na minha infância foi a mesma coisa, a gente brincava de escorregar no meio da lama, perto dos lixos. Eu sempre tive esperança de um dia ter uma praça aqui pra reunir as crianças pra brincar. Até tinhamos um campo de futebol, mas a comunidade foi crescendo e com o passar do tempo, ele sumiu – conta Julia. Tentamos entrar em contato com a prefeitura, mas não vemos resposta. o terreno tem dono, mas o dono não tomou providências e o que a gente vê são moradores do alto do morro descendo e tacanho lixo aqui. Os moradores pagam uma pessoa pra poder varrer e limpar a rua, não temos gari nessa área. Só temos o gari pra recolher lixo, e a gente mesmo que limpa nossa área. Se tivesse condições de fazer uma pracinha pra criançada, seria muito bom pra ocupar a mente deles com alguma diversão, ao invés da gente ficar em casa preocupado deles brincando no meio de lixos e vergalhões. Tem o espaço da praça do conhecimento, mas é longe pra gente deixar eles irem sozinhos. Tem outra lá perto do teleférico, mas fica muito longe também. A gente tem espaço aqui, e ninguém constrói nada. Queremos um espaço pra diversão aqui também. Quando teve obra aqui nessa região, só fizeram uma maquiagem, porque os problemas continuam.
Eu já caí aqui quando fui descer pra escorregar no colchão que a vizinha jogou fora, e eu me ralei todo. Tenho um amigo que pisou no prego também quando desceu correndo pra brincar. Teve um cara que mijou no colchão, mas a gente não tem aonde brincar. Se tivesse um escorrego, uma mesa de ping-pong – conta um dos meninos que afirmou também que pretende estudar muito pra ser militar e ajudar sua família a sair desse lugar.
Dona Fátima Benedita Gomes da Silva, 60 anos, recém-formada na UNISUAM em Assistência Social, faz ações sociais com as crianças da região e procura levar serviços dos quais as pessoas tem dificuldades. Um dos grandes problemas é a matrícula na escola, porque a maioria dessas crianças não tem sequer uma certidão de nascimento. Fátima esta ajudando uma vizinha que tem 48 anos e nunca teve um documento de identificação. Ela acredita que essas orientações precisam ser cada vez mais intensas pra que as pessoas saibam seus direitos e tenham acesso ao que é seu direito: – Eu vi essas crianças essas crianças nascerem, elas merecem ter um lugar pra diversão. To muito preocupada com as próximas gerações, porque eles não tem acesso à quase nada e ficam com tempo ocioso. A mãe deles trabalha e não tem com quem eles ficarem, então a diversão deles é a RUA finaliza.
Samantha Shirashi, jornalista, mãe e voluntário do Todos pela Educação exclama: – Um movimento brasileiro que se considera moderno e descolado defende que as crianças brinquem ao ar livre, reaprendam a estar na natureza, pé no chão e corrida na pracinha da vizinhança! Mas este mundo bonito e dos sonhos fica só nos bairros de elite. Essa é a verdade, sei porque em muitos momentos sou parte deste grupo. É fácil a gente criticar o governo, reclamar das escolas, da saúde pública e das péssimas condições da periferia, mas quem efetivamente vai verificar os espaços nos quais as crianças brincam? Como mãe tenho a benção de oferecer espaços confortáveis e seguros para meus filhos se desenvolverem, mas como jornalista e avista eu visito há décadas locais onde a população reage e interage com o que tem. Estas imagens capturadas pelo Renato Moura dividem meu coração. São crianças sendo felizes, criavas, vivas e ricas como poucas são hoje em dia, presas em seus condomínios, apartamentos, muros de escola. Ao mesmo tempo, são retrato do abandono da sociedade, que nega não só aos menores o direto à segurança e ao conforto mínimos, mas aos seus pais e mães a tranquilidade para produzirem e fazerem crescer o pais e suas comunidades porque estão lutando contra e em busca do que deveria ser seu direito cidadão -finaliza.